quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Apresentação

As transformações políticas do Brasil tiveram, ao longo da História, uma marca que as distinguiu dos grandes ciclos mundiais e latino-americanos. Quando surgiram as democracias representativas e o constitucionalismo, o Brasil seguiu o caminho do encontro de forças e da união e evitou o esfacelamento construído nos campos de batalha. Na volta à democracia, mais uma vez, seguimos caminhos diferentes: optamos por uma transição com conciliação, evitando os traumas e as contas pendentes que ainda marcam outros países.
Tancredo Neves fixara a imagem do conciliador por excelência. Era o homem da negociação e do compromisso, elementos fundamentais da política no Estado democrático. Se preparara para ser Presidente na longa carreira que o levara da câmara de vereadores ao Palácio do Planalto, deputado estadual e federal, ministro, primeiro-ministro, governador, sempre com liderança e integridade. Montara a estratégia de transição e fizera em torno de si a Aliança Democrática e a esperança da democracia. Sua doença, na véspera da posse, trouxe um travo de desapontamento que se transformou em dor no encerramento de sua tragédia no dia 21 de abril. Uma dor que permanece em todos que viveram aqueles dias.
Coube a José Sarney assumir o comando da redemocratização. As circunstâncias, seu temperamento e sua formação o conduziram ao caminho de acelerar a abertura política. Trabalhou com os militares, não contra eles, como lhes disse, profissionalizando as Forças Armadas e levando-as de volta aos quartéis. Imediatamente liberou a política partidária, com o ato simbólico de receber no Planalto Giocondo Dias e João Amazonas, os dois partidos comunistas e restabeleceu as eleições diretas nos antigos municípios de segurança nacional. Logo em seguida convocou a Assembléia Constituinte.
Nos cinco anos de seu governo solidificaram-se as instituições. As eleições se sucederam em absoluta tranqüilidade. A imprensa nunca foi tão livre. A sociedade encontrou o caminho de uma democracia que não se esgota na eleição de seus representantes, mas se prolonga na consciência de cidadania. Pela primeira vez o brasileiro considerou-se cidadão, senhor de seus direitos, capaz de por eles se manifestar e exigir.
A opção de “Tudo pelo Social” refletiu o empenho em voltar o Estado para os mais humildes. O Programa do Leite simboliza, em seus números, o gigantesco esforço que se fez: 1 bilhão e 300 milhões de litros distribuídos a 7,6 milhões de famílias. O vale-refeição tinha 18 milhões de beneficiados por dia; o vale-transporte, 26 milhões. Criou-se o seguro-desemprego. 58 milhões de crianças passaram a ser atendidas diariamente pela merenda escolar. A farmácia básica do CEME chegou a 50 milhões de pessoas. A reforma agrária, instituída em 1965, finalmente começou a ser realidade. A área irrigada aumentou em 1 milhão de hectares. A cultura tornou-se um desafio do governo. A pesquisa científica, recebendo apoio incondicional — foram dadas 133 mil bolsas de estudo, mais do que em todos os anos anteriores do CNPq juntos —, alcançou resultados importantes no enriquecimento do urânio e domínio da água pesada, com fibras óticas e de carbono, com lasers de alta potência. Foi criado o IBAMA e iniciada a defesa sistemática do meio ambiente. O Calha Norte marcou nossa soberania sobre a Amazônia.
A conquista do Plano Cruzado foi ter transformado a economia do Brasil, aberto as portas sociais. Ter permitido a reforma do Estado, com a extinção da conta-movimento do Banco do Brasil, a unificação do orçamento da União, a criação do SIAFI, da Secretaria do Tesouro. Ao final do governo, Sarney tinha um resultado que, visto com os olhos de hoje, é surpreendente: crescimento e pleno emprego — o PIB per capita em dólares dobrou, chegando a US$ 2.923 (em 2004 estava em US$ 2.789), enquanto o desemprego era o menor de nossa História (2,36%). O país era a 7a potência industrial do mundo. Tivemos 67 bilhões de dólares de saldo comercial (contra um déficit de 8 bilhões de dólares no período de 1995/2002) O PIB passou de 189 para 415 bilhões de dólares, e a dívida externa caiu de 54% para 28% do PIB. A produção de petróleo passou de 2,7 para 8 bilhões de barris. A safra agrícola passou de 50 para 60 milhões de toneladas de grãos. No setor elétrico, a produção aumentou em 24,1%, o número de consumidores em 22,3%, foram investidos 29 bilhões de dólares. O déficit primário de 2,58% do PIB foi transformado em superávit de 0,8%.
Em 1990, Sarney entregou a seu sucessor — eleito em eleição direta e completamente livre — um país renovado. Transformado nos planos econômico, social e político. Cumpriu-se, assim, o compromisso de Tancredo: o Brasil tornou-se uma grande democracia.

Pedro Costa

Discurso de Sarney a 15 de março de 2005 (Parte I)

Sr. Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros; Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim; Sr. Governador de Minas Gerais, Aécio Neves; Sr. Ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo; Sr. Vice-Presidente da Casa, Senador Tião Viana; Sr. Senador João Alberto; Sr. Senador representante da Paraíba, Efraim Morais; Srªs e Srs. Senadores; Srs. Ministros de Estado; ilustres Ministros do meu governo que tiveram a bondade de aqui comparecer; auxiliares que, comigo, àquele tempo, trabalharam pelo nosso País; minhas senhoras e meus senhores — e, se a Casa me permite fazer uma reminiscência e matar saudades, já que estamos falando ao Brasil inteiro —, brasileiras e brasileiros:
As datas redondas nos seduzem sempre a tentar marcar o tempo. É isso o que ocorre hoje, quando estamos aqui procurando marcar esse tempo de vinte anos da restauração democrática brasileira. Ninguém governa o tempo em que governa. Há tempos em que a gente administra realidades simples; há tempos em que se administra escassez, ou fartura, a rotina do dia-a-dia, as crises que permanentemente têm os governos. Porém, há instantes em que a História se contorce juntamente com a tarefa de governar. Contorce-se de tal maneira que as decisões dos governantes podem se transformar em mudanças de rumo, podem se transformar em retrocessos.
Correspondeu justamente ao tempo em que exerci a Presidência da República um desses momentos da História, em que ela, poderosamente, se movimenta, exigindo dos homens públicos assumir posições que em geral não são chamados a assumir quanto administram tempos tranqüilos.

A CONCILIAÇÃO

Àquele tempo reproduzíamos no Brasil a velha tradição brasileira, em momentos em que a História se movia, de sabermos encontrar um terreno comum para que o País pudesse prosseguir na marcha em direção ao seu destino.
Não é fácil falar quando se é, de certo modo, um participante da própria História. Mas a História do Brasil é marcada justamente por aquele mesmo sentimento que nos uniu naquele momento difícil.
Recordo que, na Independência, não nos matamos entre portugueses que aqui estavam e brasileiros. Foram José Clemente Pereira, Gonçalves Ledo, José Bonifácio que começaram a conversar com o Imperador, de modo a que ele depois dissesse o “Fico”, comandasse a Independência, convocasse a Constituinte. Dessa forma, o Brasil se inaugurava não como os países de língua espanhola, separados por lutas sangrentas, formados em campos de batalha, que dividiram-se desde o tempo em que Bolívar pensou na Grã-Colômbia, mas como uma construção do poder político, síntese de todos os poderes.
No Brasil, conseguimos construir nossa História com um espírito de conciliação que nos une sempre nos momentos de dificuldades. Enfrentamos a abdicação do Imperador, a maioridade, o Ato Adicional, a questão da escravatura. Chegamos, finalmente, à República. Republicanos e monarquistas unem-se para encontrar a saída para o País. Foi assim sempre, e isso explica a unidade nacional. O Brasil só é esse continente, só se manteve unido, porque os homens públicos brasileiros — essa construção política do Brasil — souberam manter o País na sua integridade.
Esse espírito é sempre encarnado por um homem. Naquele momento, a História tinha preparado para colocar todo esse peso da tradição brasileira num homem que se chamava Tancredo Neves. Tancredo mesmo dizia: “Eu sou um conciliador.” Essa era a sua essência. É por isso que ele falava muito em Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês do Paraná, que tinha sido do Ministério da Conciliação. E, até para fazer uma pequena restrição, dizia: “Só não transijo com os princípios.” Era quase aquilo que Ghandi dizia, quando falava dos pecados do mundo: não há penitência sem dor e não há política sem princípios.

TANCREDO NEVES

O centro da ação política de Tancredo Neves, sua característica maior, residiu no espírito de conciliação. Conciliar é admitir que não somos donos da verdade, e que nossas idéias podem conviver com outras idéias. É o campo da pluralidade, ideal democrático, muito difícil de se alcançar na política, onde muitas vezes se toma como inaceitável a convivência. A visão do político menor limita suas obrigações às suas verdades e dogmas e aos interesses dos partidos e facções. Outro terreno é o espaço dos estadistas quando, acima da política, está o interesse de todos. Todos. Nessa palavra-chave está a chave do homem de estado. Quem melhor o definiu foi Tiradentes, que se dava como missão trabalhar para todos. Tancredo tem esta marca de pensar em todos e toda sua vida é marcada pela palavra conciliação, que é a busca de servir a todos.
Tancredo dizia que a conciliação não podia ser confundida com um mero oportunismo, mas como uma opção pragmática e circunstancial. É uma negociação sempre desejável na sociedade pluralista e aberta, para evitar barganha política indesejável, substituindo-a por um meio “legítimo de resolução de conflitos vividos pela sociedade”.


A História tinha preparado Tancredo para essa tarefa, pois ele era um homem que conhecia o Brasil, os homens, a arte política. E só foi possível que se construísse a transição graças a esse conjunto de qualidades que ele encarnava.
Tancredo tinha o trabalho do passado, das crises que vivera. Ele chorara diante do túmulo de Getúlio, falara, comovido, naquela compulsão nacional que foi a morte do Presidente. Tancredo fez um discurso de conciliação, pediu que o Brasil não se dividisse no sangue e no gesto de Vargas. Assim se comportou naquele momento.
Com Juscelino Kubitschek e a crise da maioria absoluta, é Tancredo quem costura, com a sua capacidade, aquilo que depois se tornou a posse de Juscelino Kubitschek. O Presidente assumiu marcado para ser deposto, porque havia uma reação das Forças Armadas, uma reação política muito grande. Por isso, ele saiu do Rio de Janeiro em busca de Brasília, como D. João VI saiu de Portugal para o Brasil por causa das tropas napoleônicas.
Na crise de 61, com a renúncia de Jânio, a solução é construída pela conciliação. Só há um homem para essa tarefa, aceito por todos. E quando se diz que Jango Goulart foi empossado e se criam várias teses para analisar aquela crise, meu testemunho de quem viveu os fatos é o de que foi o penhor do equilíbrio de Tancredo Neves à frente do governo parlamentarista a chave da solução. Ele inspirava confiança. E como ele soube exercer sua capacidade tática de negociar! Como formou um gabinete que, na heterogeneidade, tinha a unidade de objetivos. Quais eram eles? Manter Jango no poder? Uma questão pessoal? Não. Era atravessar uma etapa. E ele fez admiravelmente bem: baixou a temperatura política, impessoalizou sua tarefa, dissolveu as nuvens da discórdia.
Em março de 1978, Tancredo torna-se líder da Bancada do MDB na Câmara. Em novembro, mês em que acaba o bipartidarismo, elege-se senador. Articula, então, a criação do Partido Popular-PP, de centro, que reúne dissidentes do MDB e da Arena, inclusive seu histórico rival Magalhães Pinto. Solução mineira: Tancredo é o presidente e Magalhães o presidente de honra. É a tentativa de criar uma opção de poder de centro, democrática, diferenciada da esquerda e da direita radical. No final de 1981, o governo Figueiredo passa o voto vinculado e abate o PP que, então, reage e se funde com o PMDB. No final de 1978, caíra o AI-5, com a Emenda Constitucional de que fui Relator.

A ALIANÇA DEMOCRÁTICA


Eleito governador de Minas em 82, Tancredo assume, em março de 83, e prossegue a luta pela redemocratização. “O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade.” “Liberdade é o outro nome de Minas.” Então, age no Congresso, na imprensa, na prática permanente do diálogo e da conciliação. No governo de Minas, acerta com Aureliano Chaves o Acordo de Minas — Aureliano, outro patriota, grande brasileiro, a quem a Nação muito deve. Se um dos dois saísse candidato a presidente, o outro apoiaria. Participa da campanha por eleições “Diretas-Já” para presidente no início de 84. Prega a união nacional. Trabalha exageradamente e diz com ironia: “Para descansar, tenho a eternidade.”
Com apoio de amplo espectro ideológico, compõe, costura e aglutina as forças de oposição e dissidentes do governo − como Aureliano Chaves, Marco Maciel, Antonio Carlos Magalhães, Jorge
Bornhausen, Guilherme Palmeira, eu próprio e muitos outros − e sai candidato à Presidência no Colégio Eleitoral. Tece engenhosa articulação dentro do PMDB. Une os diversos grupos e correntes, rompe resistências no seu partido, recebe a adesão do grupo autêntico, atrai o apoio de Ulysses. Dialoga com setores do governo, vai à sociedade civil, dialoga com lideranças militares, quebra resistências, vence manobras políticas. Faz vibrante campanha por todo o País, recebendo a aprovação direta do povo nas ruas e praças, sempre com a bandeira da conciliação nacional, sem revanchismo, como saída para o impasse e a crise.
Transige e negocia. Transforma a energia política da campanha das “Diretas Já” em combustível da vitória no Colégio Eleitoral. Faz impensável engenharia política. Coerente, é sempre o moderado fiel à liberdade. Prega mudanças, promete a convocação de assembléia nacional constituinte, pede união e condena o sentimento de represália. O projeto é a democracia. Tranqüiliza todos, militares e civis. Faz o que adora fazer: política. A grande política.

A OBRA DE TANCREDO

Muitos presidentes, na História do Brasil, assumiram com a vocação de serem depostos. Como Deodoro, Bernardes, Getúlio em 1950, Juscelino, Jango, também posso dizer que fui um Presidente que assumiu com todas as condições para não terminar o seu mandato: não tinha um grande partido, não fora a pessoa que compusera o Ministério, não conhecia os programas de governo. Sempre dizia a Tancredo Neves que eu me preparava para ser o Vice-Presidente fraco de um Presidente forte. De repente, naquela noite — aqui lembrada e que não quero relembrar para não repetir as amarguras e as emoções que vivi naqueles instantes de tristeza e de comoção —, às 3 horas, o General Leônidas Pires me telefonou dizendo: às 10 horas, o senhor vai assumir a Presidência da República.
Pensem o que é, para uma pessoa de responsabilidade, assumir a Presidência da República, com todas aquelas fragilidades! Meus olhos estavam voltados para o futuro e eu perguntava: o que vai acontecer? O que vamos ter? O que vai acontecer comigo? O que o destino quer fazer comigo? Por que me trouxe de tão longe para, neste momento, desafiar a minha capacidade?
Fui quase que levitando jurar a Constituição. Foi um momento que jamais esquecerei na minha vida e que me marca profundamente. Mas, hoje, 20 anos depois, estou aqui, não com aqueles olhos no futuro, procurando o que ia saber, mas com os olhos no passado, sabendo que todos fizemos uma grande transição democrática neste País. (Palmas.)
Foi obra de todos nós, foi obra de Ulysses, foi obra de Tancredo, porque Tancredo dava o exemplo. Ele dizia ao Dr. Dornelles que só aceitava ser operado se o Presidente Figueiredo me transmitisse o poder, porque ele lutara por aquilo. Seus olhos estavam sempre voltados para o objetivo de sairmos daquela situação naquele instante. E o Dr. Dornelles, de certo modo, forçando os acontecimentos, disse a Tancredo: “Você pode se operar, porque o Figueiredo vai dar posse ao Sarney.” E ele disse aos médicos: “Então, me operem.”
Esse homem jogava a sua vida pelos interesses do País. Ele não estava pensando simplesmente em tomar posse pela posse; ele estava pensando em tomar posse pelo País. É por isso que acho que a frase de Afonso Arinos é a mais perfeita de todas. Diz: “Na História do Brasil, muitos deram a sua vida pelo País, mas Tancredo é o único que deu a sua morte pelo Brasil.” (Palmas.)
Eu seria injusto se, na lista dessas evocações, não incluísse a figura de Aureliano Chaves. (Palmas.)
E o faço até por um dever pessoal, até por um dever de consciência, porque, quando eu dizia que não aceitava ser Vice-Presidente, que não queria ser Vice-Presidente, ele me chamava e pressionava: “Não se exclua! Se você não for o Vice-Presidente, eu não farei a Aliança Democrática!” Com isso, ele me impunha. E é com a evocação da minha gratidão eterna por ele ter acreditado em mim naquele instante, que tenho a obrigação de relembrar, perante esta Casa, o que foi a presença de Aureliano na junção daquelas nossas forças.
Muitos dos que participaram daquele momento estão aqui. No início, éramos Jorge Bornhausen, Guilherme Palmeira e eu, dentro do PDS. Depois, se agregaram a nós Antonio Carlos, Aureliano, Marco Maciel, e começamos a ampliar de tal maneira esse conjunto, que foi possível chegarmos à decisão que tivemos que tomar.
Mas Tancredo era um homem experiente, sabia que eu não podia ser Vice-Presidente apenas por ser indicado pela Frente Liberal, eu precisava também ter a legitimidade da sua escolha. Ele, então, chamou-me, uma noite, a Minas Gerais, à casa de Murilo Mendes. Dona Risoleta jantava com a senhora Murilo Mendes em uma mesa separada. E disse-me — sabendo que isto não era tudo, mas me legitimando naquele momento: “Sarney, se você não aceitar ser Vice-Presidente, eu talvez não possa sair do Governo de Minas.” Talvez essa fosse uma maneira de falar. E argumentei: “Tancredo, você tem tantos candidatos e pode escolher qualquer um deles.” Ele respondeu: “Mas você conhece o mapa da mina do PDS.”

Ele julgava que, por eu ser Presidente do Partido, eu conhecia todos os delegados. E ele, então, grande articulador político, legitimava-me na escolha que a Frente Liberal fazia e entregava-me uma missão ainda mais dura, que era a de procurar a maioria dentro do nosso Partido.
Vejo aqui Aecinho — chamo-o assim. Quando ele assumiu interinamente a Presidência da República, como Presidente da Câmara dos Deputados, eu, que passei a me considerar um herdeiro dos compromissos de Tancredo Neves, fui visitá-lo. Quando entrei na sala, ele estava sentado como Presidente da República. E eu disse: “Vim aqui trazer-lhe um presente que você não esperava que existisse, algo que certamente você iria receber. Eu vim trazer um beijo do seu avô Tancredo Neves!” (Palmas.)
Foi o que fiz. Eu o conhecia e via o amor que ele tinha por Aécio Neves. Eu via sempre o carinho. Como ele estaria feliz, hoje, nesta sessão, vendo seu neto como Governador de Minas Gerais, ouvindo que o seu exemplo ficará na História do Brasil, não no seu nome, mas na pedra, no bronze e na eternidade!
Devo prosseguir, mas não poderei ser tão breve como desejava e como todos esperavam que eu fosse.

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    A ABERTURA

    Quais foram as minhas dificuldades? Devo este depoimento ao Brasil, neste dia. Sempre pensei que eu precisava me legitimar e, muitas vezes, conversei sobre isso com Antonio Carlos. Ninguém pode ser Presidente da República sem ser legítimo. E tracei um plano estratégico de como devia conseguir essa legitimidade. Não fui no escuro. Ninguém pense que eu estava no meio dos acontecimentos como se fosse levado por eles! Não!
    Em primeiro lugar, eu tinha de abrir totalmente o País, fazer um pacote político no qual todos os espaços nacionais fossem abertos às forças que emergiam da clandestinidade, dos partidos políticos que estavam banidos. Acabei com as eleições indiretas imediatamente, convoquei a Constituinte e eleições para novembro. Pensaram: “Que coisa mais absurda começar um governo com essas dificuldades e convocar eleições para novembro!” Mas eu pensava que deveríamos abrir espaços para, em vez de violência e gente procurando se afirmar pela força, termos a liberdade florescendo, e para que o País pudesse, respirando esses ventos da liberdade, encontrar-se com seu destino e sua construção. Assim, começamos a fazer essa parte.

    O Brasil não era mais uma ditadura, porém estava longe de garantir o pleno exercício da democracia. O mundo estava cheio de exemplos de transições políticas traumáticas, como em Portugal e na Grécia, para não me referir aos sucessivos abortos institucionais na América Latina. Os próprios processos argentino, chileno e uruguaio preocupavam. Não era possível resolver tudo ao mesmo tempo. O Tancredo tinha um projeto cauteloso de transição. Mas ele chegava ao poder com um cacife político extraordinário, uma verdadeira federação de apoios populares. Podia, portanto, estabelecer prioridades tanto na política como na economia. Eu, não. Eu chegava desamparado à Presidência, numa verdadeira armadilha do destino.
    Para legitimar o meu governo, eu tinha de buscar um caminho próprio que me levasse diretamente à opinião pública. Mostrar que eu tinha intenção e estrutura para comandar a transição. Eu resolvi, então, abrir todas as portas à liberdade. Correr o risco de ampliar espaços e estabelecer uma sociedade em condições de retomar a prática da liberdade em todas as dimensões de seu cotidiano. É claro que essa decisão tinha seus custos: 12 mil greves, imprensa com total independência e sequiosa de testar seus limites que, como se viu, eram ilimitados. Legalizei logo o Partido Comunista e convoquei a Constituinte unicameral. O objetivo era claro: romper os bolsões de pressão, criar espaços onde a energia para a contestação fosse liberada. Era o caminho da minha legitimação. Quem melhor compreendeu essa estratégia foi o PT, que aproveitou esses espaços para se consolidar, enquanto os partidos de talhe tradicional disputavam posições de governo em vez de apoiá-lo em um programa e pacto para a transição.

    O primeiro dever do Presidente é permanecer no poder e legitimar-se. Esta tarefa era difícil. Alguns ministros nem no olhar me poupavam de saber que não me aceitavam nem por mim tinham simpatia. Foi uma tarefa árdua avançar pouco a pouco, incutir-lhes a certeza de que não estavam lidando com quem não sabia nem previa o que estava acontecendo e o que seriam agora suas responsabilidades.
    As Forças Armadas eram a única instituição capaz de exibir uma posição de força. Só elas têm planos estruturados para uma emergência de crise. As Forças Armadas sempre têm programas para evitar o caos. Naquele momento, elas ainda eram as fiadoras do processo político. Essa foi outra área na qual tivemos o mais absoluto êxito. O que ocorria? Os militares ainda tinham grandes reservas, estávamos saindo de um regime difícil. Então, tive a oportunidade de chamá-los e de estabelecer com eles duas regras, com as quais conseguimos governar.

    Eles voltaram aos quartéis, profissionalizaram-se e mantiveram as Forças Armadas baseadas na Constituição e na lei, como estão até hoje, integradas na vida nacional. Foram as seguintes as regras, das quais o General Leônidas, que está aí, foi um dos principais interlocutores: primeiro, seguimos a orientação de Tancredo, que não deseja revanchismo — “a abertura tem que ser feita com as Forças Armadas, e não contra as Forças Armadas.” (Palmas.) — e, com isso, evitamos a luta que podia ser desencadeada. Em segundo lugar, chamei todos os comandantes e disse: “Se sou o Comandante-em-Chefe, o dever de todo comandante é zelar pelos seus subordinados. A partir de hoje, os senhores não precisam mais fazer notas em ordem do dia, falando indiretamente, sobre qualquer assunto”, como sistematicamente se fazia. “Quem fala em nome das Forças Armadas sou eu e serei o seu maior defensor.”
    Com isso, atravessamos um período em que não tivemos uma prontidão militar sequer; não tivemos qualquer insubordinação. Assim, foi possível que as Forças voltassem aos quartéis. Demos recursos para que pudessem trabalhar, modernizaram-se e hoje estão integradas à vida nacional, integradas ao poder político, que é a síntese de todos os poderes. (Palmas.)

    Sarney na ONU -
    “A paz só existe com liberdade; a liberdade, com a democracia; e a democracia, quando olharmos pelos segregados, pelos famintos, pelos desempregados"

    A POLÍTICA EXTERNA

    Um terreno estava à margem da disputa política: a política externa. Concentrei-me nela. Iniciei a prática da diplomacia presidencial amparada por um projeto coerente: o da afirmação de nossa soberania e de nossa inserção na América Latina. Avançamos muito. Firmamos a adesão do Brasil ao Convênio contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes — o Pacto de San José. Criamos, por iniciativa do Brasil nas Nações Unidas, a zona de paz do Atlântico Sul. Iniciamos, no mês de agosto, junto com o Presidente Alfonsín, o Mercado Comum latino-americano com o programa de integração com a Argentina e o Uruguai, e aberto a todo o continente. Promovemos iniciativas bilaterais com os países amazônicos para defesa do meio ambiente.

    Reatei relações com Cuba. Visitei os EUA, mas também a Rússia e a China. Por três vezes falei na abertura da Assembléia das Nações Unidas. Realizei duas grandes e importantes reuniões históricas neste País, com presidentes do mundo inteiro. Lembro da reunião realizada em São Luís, de oito presidentes dos povos de língua portuguesa. Lembro a reunião que realizamos em Manaus, de sete presidentes de todos os países da Bacia Amazônica. Tivemos participação ativa no Grupo dos Oito, que também ajudamos a fundar. Lutamos nos organismos internacionais por um tratamento político da dívida. E tudo fizemos para que o País pudesse caminhar num tempo de grandes dificuldades, que não foi um tempo somente nosso, mas de todo o mundo que assiste neste instante a grandes transformações.

Discurso de Sarney a 15 de março de 2005 (Parte II)


O DESAFIO DA ECONOMIA

Na busca de legitimidade econômica — aqui estão Calabi, que foi da equipe, e Maílson, que foi depois meu Ministro da Fazenda, que sabem disto —, fomos ver o que se tornaria o Plano Cruzado. Mandamos Pérsio Arida a Israel para procurar saber o que estava sendo feito lá, na busca de um plano econômico não ortodoxo, mas heterodoxo. Eu sabia que não poderia fazer um plano ortodoxo, nem seguir nenhuma norma de conduta de cartilha internacional. Se o fizesse, iria optar pela recessão, pelo desemprego, pelo atraso. Recusei-me a fazer isso. (Palmas.)
Partimos para o Plano Cruzado, sabendo de todas as dificuldades. Não iniciei o Plano Cruzado sem saber os riscos que correríamos. Lembro-me — e Calabi está aqui — da noite em que nos reunimos, quando eu disse: “Sei, perante todos os senhores, que estou colocando a minha cabeça na guilhotina, mas temos de ter ousadia. Vamos ousar! Vamos tentar romper essa barreira para tentar dominar a inflação!”

A inflação não foi uma invenção minha, nem do meu governo. O Figueiredo já deixou a desvalorização da moeda perto dos 300% ao ano. No final de meu governo a economia sofreu como nos meses que antecederam o governo do Presidente Lula. A inflação subiu de 5%, em março de 1989, quando começou a campanha eleitoral, para 82%, em março de 1990. Essa inflação não foi minha. Era fruto da expectativa do futuro governo. Posto muitas vezes diante da alternativa da recessão, minha opção pessoal foi de indexar os salários, corrigindo-os mensalmente.

A correção mensal porque era o colchão no qual se apoiavam os assalariados para diminuir o impacto da inflação. Fala-se em inflação com correção monetária e em inflação sem correção, como se fossem a mesma coisa. São coisas impossíveis de comparar. Eu digo que uma inflação de 6% ao ano sem correção monetária, como vinha ocorrendo com o salário do funcionalismo, é mais corrosiva do que a de 80% ao mês daquele tempo, corrigida mensalmente. Pergunte a qualquer trabalhador, com mais de 35 anos, o que ele acha das duas situações. O desemprego caiu de 8% para 2,36%, o menor de nossa História. E qual foi a inflação real em meu governo? O dado é da consultoria Tendências: a inflação em dólares foi de 17,3%.
Cometemos erros e acertos. Reconheço muitos erros que cometi. Foram muitos, muitos erros. Não vou relatá-los, porque levaria muito tempo. Mas, na verdade, em alguns momentos, também tivemos muitos acertos.
Hoje, posso dizer da tribuna do Senado que aqueles não foram anos em que o Brasil recuou, atrasou-se. Ouço, muitas vezes, dizerem que foram anos perdidos. A década de 80 não foi perdida. Se separarmos os períodos de 1980 a 1985 e de 1985 a 1990, verificaremos que, de 1985 a 1990, obtivemos números na economia que até hoje não foram superados no Brasil. Naqueles cinco anos, crescemos 99% no nosso PIB; chegamos a ter o terceiro saldo exportador internacional, depois do Japão e da Alemanha. A renda per capita — tratando sempre de desempenho econômico, para não atrapalhar —, em 1984, era de US$1,468 e, em 1989, chegou a US$2,923. Hoje, está em US$2,789. Isso demonstra que aquele não foi um período de paralisação. Ao contrário, o Brasil avançou, e muito, durante aquele período.

Enfim, saí do governo consciente de que ninguém, naquelas circunstâncias, teria mais desejo de acertar do que eu tive. Por exemplo: o déficit primário do Tesouro, em 1984, foi de 2,58% do PIB e, quando saí, deixei um superávit primário de 0,8%. Buscávamos o equilíbrio.

Vejamos outros dados:

A dívida externa passou de 54% para 28% PIB.
Na energia elétrica, a produção cresceu 24,1%; o número de consumidores cresceu 22,3%; os investimentos foram da ordem de 29 bilhões de dólares.
Passamos do oitavo para o sétimo lugar em economia industrial no mundo.
No petróleo, passamos de 2,7 bilhões de barris para 8 bilhões.
Tivemos três safras agrícolas recordes, passamos de 50 para 70 milhões de toneladas de grãos.
Em estanho, com 400 mil toneladas, passamos a ser o maior produtor do mundo.
Em manganês, multiplicamos por 4 nossa produção, chegando a 810 mil toneladas.
A Siderbrás passou de quinto para segundo maior grupo siderúrgico do mundo.
Passamos de oitavo para sexto produtor maior produtor mundial de aço.

A MODERNIDADE

Nosso desafio passava por uma modernização da administração pública. Melhorei a eficiência do serviço público, dando aumentos reais ao funcionalismo, além do 13o salário. Criei a ENAP, a Escola Nacional de Administração Pública, seguindo o modelo francês, na tentativa criar uma carreira geral do serviço público, e começamos a implantar a isonomia salarial.

Extingui a conta de movimento do Banco Central no Banco do Brasil, unificamos totalmente o Orçamento Geral da União, com a inclusão de todas as despesas de natureza fiscal, inclusive as realizadas pelo Banco Central e pelo Banco do Brasil, como as operações de crédito rural, criamos a Secretaria do Tesouro Nacional. Criei o SIAFI, abrindo as informações sobre o Orçamento.
Abrimos o País para a modernidade. Houve conquistas extraordinárias na área da ciência e da técnica. Dominamos a tecnologia do enriquecimento do urânio, da água pesada, da grafite nuclear, dos lasers de alta potência, do radar, das fibras de carbono, das fibras óticas. Estimulamos a formação de recursos humanos em massa nos grandes centros de excelência do mundo. Demos mais de 113 mil bolsas de ensino superior, mais que o total dos 33 anos de existência anterior do CNPq.

Reformulamos a política nuclear, redi-mensionando-a, adequando-a às reais necessidades e possibilidades do País. Lançamos as bases para uma política de química fina e biotecnologia.
Na área dos transportes, foram restaurados 11 mil e 700 quilômetros de rodovias, pavimentados 4 mil e 508 quilômetros de estradas vicinais, e executados mais de 7 mil e 100 quilômetros de revestimento primário. Passamos de 7 para 12 mil o número de postos de correio.
Houve um aumento de mais de um milhão de hectares da área irrigada, o que significa a ampliação de 56% do que se fizera até então.
Começamos a reforma agrária. Transformamos o programa em ministério no meu Governo. O nome sugerido era Ministério Extraordinário de Política Fundiária. Eu disse: “Não. Vamos chamar de Ministério da Reforma Agrária, porque essa palavra é maldita; temos de colocá-lo na ordem do dia do Brasil” — peço o depoimento do Nélson Ribeiro, que está aqui presente, e que sabe que foi isso que ocorreu. Desapropriamos 4 milhões e 500 mil hectares, além da regularização fundiária de 4 milhões e 300 mil hectares, 10 vezes mais do que havia sido feito nos últimos 21 anos, desde a criação do Estatuto da Terra. Foram mais de 200 mil famílias beneficiadas.
O meio ambiente, o futuro do homem na face da Terra, a proteção da natureza passaram a ser prioridade e um tema dominante em nossas preocupações. Criamos o programa “Nossa Natureza” e o IBAMA. Criamos 6 milhões de hectares de reservas ambientais.
Até nosso governo, desde Rondon, haviam sido demarcados 12 milhões de hectares de reservas indígenas; nós demarcamos 32 milhões de hectares.
Com o Programa Calha Norte, livramos a Amazônia do narcotráfico, do contrabando, do refúgio das guerrilhas, protegemos as populações e transformamos fronteiras mortas em fronteiras vivas.

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    TUDO PELO SOCIAL

    Até então, no Brasil, administrar era sempre tratar de infra-estrutura, dos grandes problemas de construção. A partir dali, colocamos a área social em evidência, e daí o nosso lema “Tudo pelo social”.

    Transformei a Presidência numa grande gerência de programas especiais de combate à pobreza. Mandei pesquisar e identificar, município por município, quais as dificuldades mais prementes sofridas pela população. Foram definidos 16 projetos de ajuda direta às comunidades carentes, dirigidos por agentes das próprias comunidades, como as pastorais, escolas, entidades assistenciais, etc. A mais radical diminuição da pobreza, no Brasil, ocorreu durante o meu governo. Por causa, evidentemente, dos programas de ação comunitária de ação direta, sem intermediação política ou administrativa. 26 milhões de pessoas foram beneficiadas com o vale-transporte; 18 milhões de beneficiados, diariamente, com o vale-refeição; 7,6 milhões de famílias atendidas diariamente pelo programa do leite; 11 milhões de crianças, gestantes e nutrizes no programa de alimentação suplementar; 2 milhões de crianças nas creches casulos; 50 milhões de estudantes e 8 milhões de irmãos de estudantes atendidos pela merenda escolar, que passou de 140 para 260 dias; e assim por diante. A farmácia básica da CEME atingiu 50 milhões de pessoas com seus 44 medicamentos. A mortalidade infantil foi reduzida em 41% graças ao programa de saúde na comunidade. (Aliás, fiquei satisfeito de, em entrevista recente, Maria da Conceição Tavares atribuir a diminuição da mortalidade infantil nos últimos anos ao meu Programa do Leite.) 230 mil voluntários foram mobilizados nesses programas…
    Criamos a universalização da saúde. Antes, no Brasil, o excluído — essa é a palavra que designava o trabalhador que não tinha carteira — não podia tomar uma injeção. Só podia recorrer às Santas Casas. A partir daquele tempo, criamos o direito de universalização da saúde, o direito à saúde e o direito à assistência médica.

    A SOCIEDADE DEMOCRÁTICA

    Nós, por um sistema de liberdade e de capilaridade, conseguimos que a sociedade brasileira como um todo se tornasse democrática. Abriram-se os sindicatos, abriram-se as universidades, abriu-se a imprensa, abriram-se todos os clubes de associações de bairros. Ninguém tinha medo, e o Brasil tornou-se uma sociedade democrática.
    Esse é o grande legado daqueles cinco anos que Tancredo nos deixou, dos quais fui o executor.
    Foi o legado de não somente restituirmos instituições democráticas ao Brasil — não voltou somente o Congresso a funcionar plenamente, não voltou somente a funcionar a imprensa em sua absoluta liberdade —, mas de começarmos a ser uma sociedade democrática.
    Muitos países que fizeram a abertura democrática naqueles anos não construíram sociedades democráticas. Vamos citar o exemplo do Chile: até hoje, o país tem hipotecas militares e luta para sair delas. Há o exemplo da Espanha, que todos dizem que teve êxito. A Espanha até hoje vive no sangue das divisões, sem conseguir unir-se em um país. Nós, aqui, mantivemos, com forças as mais divergentes, um País unido em uma transição que, como já se disse hoje, foi a mais bem-sucedida de todas. Portanto, olhar para esses vinte anos que passaram é perceber que as forças políticas brasileiras foram capazes de atravessar um período histórico dos mais difíceis para que o País começasse uma nova vida e um novo momento.

    De tal modo que, já em 1989, tínhamos um candidato à Presidência da República que era operário e que quase ganha a eleição. Chegou muito perto do primeiro colocado. Por quê? Porque a sociedade havia mudado. Se a sociedade não tivesse mudado, isso não existiria; sem a conquista da liberdade, isso não ocorreria; sem a conquista do social, isso não seria possível. E, quando se fala em construção das elites, vamos verificar que as elites, em especial as políticas, participaram juntas na construção dessa sociedade democrática.
    Não devo me alongar mais. Tomei umas notas, mas não posso fazer um balanço de governo aqui, no Senado, em uma sessão como a de hoje. Quero apenas fazer alguns agradecimentos.


    ULYSSES GUIMARÃES

    O primeiro agradecimento é a Ulysses Guimarães. Ulysses, que, como eu ressalvava, ontem, no programa Roda Viva, foi meu conselheiro de todas as horas. Ele liderara a oposição durante os difíceis anos do regime militar. Fora a grande força durante as “Diretas Já”. Era o fiador da Aliança Democrática, obra, também, de sua capacidade de articular.
    Mas devo dar aqui meu testemunho sobre o seu desprendimento naquela noite terrível de 14 para 15 de março de 1985. Em nenhum momento ele colocou os interesses pessoais ou partidários acima dos interesses da transição. Ele podia, com legitimidade, avocar para si a Presidência da República.
    Em torno a ele, muitas eram as vozes que propunham essa solução. Convencido de que a Constituição e o processo indicavam meu nome, foi o primeiro a insistir comigo, a me dizer que era o meu dever tomar posse.
    Depois, durante os anos de meu governo, sempre teve um papel central. Conduziu a Assembléia Constituinte e foi um apoio decisivo na construção da sociedade democrática.

    OS PERSONAGENS

    Quero finalmente pedir licença para citar os nomes dos meus Ministros que aqui estão.
    Quero agradecer ao Célio Borja; quero agradecer ao Pertence, que foi Procurador-Geral da República. Foi quando começou todo o processo que transformou o Ministério Público, com a ação civil pública. Quero também saudar o Fernando Lyra. Quero saudar o General Leônidas Pires Gonçalves, que eu conhecia desde o tempo de major — agora é que ele está sendo promovido a coronel —, e que foi um grande auxiliar também durante o meu Governo, com os outros Ministros militares.
    Quero me dirigir ao Dr. Francisco Dornelles, também pessoa muito ligada a Tancredo, seu sobrinho querido, que muito me ajudou não só naquele tempo como depois, tendo sempre uma compreensão muito grande das minhas dificuldades e dos meus deveres. A Vicente Fialho; Aníbal Teixeira; a Antonio Carlos Magalhães, a quem devo uma palavra especial pela velha amizade que durante tanto tempo nos une e que, mais do que Ministro, era sempre um conselheiro que eu tinha ao lado. Certa vez, eu o ouvi dizer que tinha um grande respeito pelo Presidente da República. Sempre teve e passou a ser muito formal. Isso, aliás, é também atitude dos militares. O Leônidas sempre me chamava de Zé. A partir do dia em que me tornei Presidente, ele dizia: “O Senhor Presidente.” Nunca mais me chamou de Zé. O Antonio Carlos, um dia, me disse: “Tenho o meu temperamento” — e acrescentou, modesto —, “mas o seu deve ser melhor do que o meu, porque você já foi Presidente da República!”
    Quero lembrar também a Marco Maciel, que aqui está presente; a João Alves; a Paulo Tarso Flecha de Lima; a Paulo Lustosa; a Jorge Bornhausen, com quem criamos 150 escolas técnicas no Brasil inteiro; a Prisco Viana; a Maílson da Nóbrega; a Waldir Pires; a Roberto Santos; a Pedro Simon; a Flávio Peixoto; a Dante de Oliveira; a Seigo Tsuzuki, admirável colaborador.
    Também devo lembrar Leopoldo Bessone; Pimenta da Veiga, que foi Líder do meu Governo; Marcos Vilaça, um grande colaborador; Arthur Virgílio, que também foi Líder naquele tempo; General Bayma Denys, a quem devo grande gratidão pelo apoio que me deu e com quem formulei uma nova política nacional de segurança, na qual colocamos a inversão das prioridades brasileiras, o que possibilitou a ausência de problemas no Sul do Brasil para voltarmos os olhos para a fronteira dos nortes, onde começava a nova ordem mundial.
    Quero também agradecer a presença de Celina Ferro Costa, esposa do Ferro Costa; quero também citar, como colaborador e amigo daquele tempo, Mauro Santayanna; Mauro Salles; Dona Antônia Gonçalves, uma secretária muito dedicada a Tancredo, que também aqui está; Joaquim Itapary; Brigadeiro Moreira Lima; o nosso Raphael de Almeida Magalhães, o nosso grande Raphael, que sempre foi um homem de idéias; Iris Rezende, Borges da Silveira; Joaquim Campelo e Augusto Marzagão, amigos especiais; meus secretários de imprensa, Fernando Cezar Mesquita, Getúlio Bittencourt, Carlos Henrique Almeida Santos, Frota Neto e Toninho Drummond.
    Também quero lembrar, com muito pesar — V. Exªs me desculpem, porque é da minha obrigação, embora o tempo realmente esteja longo —, aqueles que morreram, que desapareceram, mas que deram uma grande contribuição ao meu Governo e que trabalharam comigo.
    Recordo, em primeiro lugar, Dilson Funaro. (Palmas.)
    Recordo José Hugo Castelo Branco. (Palmas.)
    Chamo Marcos Freire. Recordo Roberto Cardoso
    Alves, Roberto de Abreu Sodré, Renato Archer, Carlos Sant’Anna, Celso Furtado. (Palmas.)
    Há dois dias, perdemos um dos homens mais importantes que o Brasil já teve, um grande colaborador, o Almirante Henrique Sabóia, um grande patriota. (Palmas.)

    O LEGADO DE TANCREDO

    Assim, Srªs e Srs. Senadores, quero me despedir desta tribuna e dizer que conseguimos deixar para o País, por herança de Tancredo Neves, um grande legado democrático. Esse legado aí está consolidado, e eu, que assumi o Governo pensando que a democracia podia morrer em minhas mãos, saio desta tribuna dizendo que, graças a Deus, nas minhas mãos a democracia não morreu nem retrocedeu no Brasil. Ela floresceu para torná-lo o grande País democrático que é e para nos transformar na grande sociedade democrática que somos.
    Muito obrigado.
    (Palmas.)

Sarney: uma vida dedicada ao Brasil

Por Said Dib,
Historiador e analista político



“O importante não é o que fazem do homem,
mas o que ele faz com que fizeram dele”.

Jean-Paul Sartre

Não se sabe se Sartre, filósofo, escritor, ateu, conheceu o também intelectual e político maranhense, José Sarney, católico fervoroso, místico assumido, mas bem poderia ter se inspirado no autor de “Marimbondos de Fogo” para criar o que definia em sua filosofia existencialista como os “homens autênticos”, aqueles que sabem assumir posições, que conseguem dar sentido às suas ações, à suas existências, principalmente quando as adversidades da vida (“o que fazem dele”) assim o exigem. Sartre diferenciava esta espécie de homens daqueles que não tomam posição, não assumem responsabilidades, os inautênticos. Estes, segundo o pensador francês, diante dos vários caminhos que a vida proporciona, ao terem que enfrentar a “angústia inexorável da escolha”, experimentam “o peso da liberdade”, se sentem no vazio e encolhem, aninhando-se no que chamava de “má fé”. Sarney se mostrou um paradigma do primeiro tipo, os homens de “boa fé”, quando, diante da trágica morte de Tancredo, foi alçado à Presidência num contexto extremamente adverso e delicado de transição política e profunda crise econômica. Mas, não se encolheu. Tornou posição, assumiu responsabilidades, cumprindo todos os compromissos da Aliança Democrática. A verdade é que a missão de Sarney não foi nada fácil. Longe disso, pois, além dos profundos problemas políticos e econômicos que herdara, a imprensa, amordaçada por anos e aproveitando-se da natural frustração das massas em decorrência da morte do Presidente eleito, durante toda a “Nova República” não deu tréguas. Constantemente tentou-se abstrair o papel de Sarney - junto com Tancredo, Marco Maciel, Aureliano, Montoro e outros - da complexa e delicada negociação com vistas à eleição do governador mineiro. Na verdade, a imagem que tentaram fazer dele não foi nada honesta. Não havia qualquer clima favorável ou mesmo compreensão, por parte da mídia, para a necessidade, pelo menos, de se dar um tempo para se construir a governabilidade. Lastreado pela sua história de vida, o Presidente Sarney teve que conquistar esta condição, a despeito da mídia e dos que se diziam aliados, ou seja, só pôde contar consigo mesmo, com boa-fé e sua extraordinária vontade política. E é a longa e vitoriosa vida deste homem que vamos relembrar agora.




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    A origem
    21 de abril de 1930. Nasce José Sarney em Pinheiro, no Maranhão. Filho de Sarney de Araújo Costa e de dona Kiola Ferreiro de Araújo Costa, fez os estudos secundários no Colégio Marista e no Liceu Maranhense, cursando em seguida a Faculdade de Direito do Maranhão, pela qual se bacharelou em 1953. Já por essa época ingressou na Academia Maranhense de Letras. Ao lado dele, Bandeira Tribuzi, Luci Teixeira, Lago Burnet, José Bento, Ferreira Gullar e outros escritores, que fizeram parte do movimento literário difundido através da revista que lançou o pós-modernismo no Maranhão, “A Ilha”, que Sarney ajudou a fundar. Experiência literária que traria por toda a vida.

    A “Bossa Nova da UDN”

    Ingressou na vida política ao eleger-se, em outubro de 1954, “quarto suplente” de deputado federal na legenda do Partido Social Democrático (PSD), com 3.271 votos. No início da década de 1960, participou ativamente das primeiras articulações do auto-intitulado “movimento renovador da UDN”, identificado pela estreita vinculação com a candidatura, afinal vitoriosa, de Jânio Quadros às eleições presidenciais de outubro de 1960. Empossado Jânio em janeiro de 1961, três meses depois, numa convenção em Recife, o grupo apareceu ostensivamente, já com a denominação “Bossa Nova”, pregando uma linha de centro-esquerda, inspirada no programa de desenvolvimento com justiça social da doutrina da Igreja Católica. Politicamente, o grupo apoiava as propostas reformistas que eram consideradas nacionalistas e de interesse popular, tais como as leis antitruste e de remessa de lucros, a defesa das riquezas minerais, o combate à inflação, a reforma da lei de imposto de renda e a extinção das ações ao portador, entre outras.

    Em outubro de 1962, na legenda “Oposições Coligadas”, à qual se unira o Partido Trabalhista Nacional (PTN), foi reeleito com a maior votação obtida no Maranhão por um candidato da oposição: 21.294 votos. Em abril do ano seguinte tornou-se um dos signatários mais ativos do manifesto da “Bossa Nova”, apresentado em Curitiba, na convenção nacional da UDN, pelo deputado José Aparecido de Oliveira (MG). O documento representou a ruptura decisiva da ala dissidente com relação aos udenistas tradicionais ao defender as reformas agrária, bancária, tributária e urbana, a política externa independente, o Plano Trienal do governo, a consolidação de Brasília, a democratização do ensino, o monopólio estatal do petróleo e a Eletrobrás. A “Bossa Nova” defendeu ainda a reforma agrária com emenda à Constituição, aceitando até a tese do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a favor do “arrendamento compulsório”.
    Segundo Maria Vitória Benevides, poucos dias antes do movimento político-militar que depôs João Goulart, Sarney foi um dos primeiros a protestar contra, discursando na Câmara advertindo para o perigo das soluções fáceis para as crises: “O regime de opressão e de opróbrio jamais satisfaz o povo. Foi através da democracia, da manifestação do pensamento em praça pública e do voto que os trabalhadores conseguiram conquistar a situação de que hoje desfrutam. Por isso mesmo, recuso-me a acreditar que uma política popular possa, em algum momento, conjugar-se com a supressão das liberdades políticas”.


    O Governo do Maranhão

    Candidato da coligação da UDN com o Partido Social Progressista (PSP) – e apoiado pelos setores mais progressistas de então -, Sarney conquistou o governo do Maranhão em outubro de 1965, recebendo uma votação inédita na história do estado: 121.062 votos, o dobro do segundo colocado, Antônio Eusébio da Costa Rodrigues, do PDC, apoiado pelo governador pessedista, Newton Belo. Em várias regiões, a frente oposicionista, liderada por Sarney, procurou organizar os adversários do “vitorinismo” e, em particular, os remanescentes das associações de lavradores e trabalhadores agrícolas - e dos sindicatos de produtores autônomos (entidades que haviam sido fechadas e seus principais líderes presos em virtude do movimento militar de março de 1964) - e com eles desmontar, em nível local, os esquemas de controle do voto dos pessedistas. Percorrendo inúmeros povoados, fazendo contatos e estimulando debates, os trabalhadores rurais apoiaram integralmente a candidatura Sarney. Nesta campanha, Sarney recebeu o apoio de importantes personalidades dos setores mais progressistas do Brasil, como o cineasta Glauber Rocha, que fez questão, inclusive, de fazer um filme promocional para o candidato Sarney.

    Visando acabar com o poder das oligarquias tradicionais, o governo Castelo Branco promoveu no Maranhão a revisão dos títulos eleitorais para extinguir a corrupção, que sempre dava a vitória ao PSD de Vitorino Freire. Assim, antes das eleições, descobriu-se a existência de 206.206 eleitores “fantasmas” (dos 497.436 eleitores inscritos em 1962, após a revisão, em 1965, o número de eleitores passou para 291.230). Por esta razão e pela força política pessoal de Sarney, este pode conseguir uma ruptura com o estado de coisas que vigorava em seu estado durante longos anos.



    Desenvolvendo um estilo próprio de governo - popular dinâmico e modernizador -, Sarney recebia em audiências diariamente dezenas de pessoas dos mais variados setores da população e provocou, segundo Veja (11/3/70), uma revolução na administração, chamada de “milagre maranhense”. Os investimentos decuplicaram, aumentando em 2.000% o orçamento do estado. O novo governador sabia que era necessário compensar anos de atraso. Por isso, foi constituída a usina hidrelétrica de Boa Esperança, na fronteira sul do Maranhão com o Piauí, pela Companhia Hidrelétrica de Boa Esperança (Cohebe), que passou a fornecer energia a cerca de 40 cidades do interior dos dois estados e parte do Ceará.

    Ainda segundo Veja (4/2/1976), nos quatro anos da administração Sarney o Maranhão deu um salto: o estado pulou de zero para quinhentos quilômetros de estradas asfaltadas - e mais dois mil quilômetros de estradas de terra -. Criou-se, além disso, uma rede de telecomunicações cobrindo 85 municípios; elevou-se de um para 54 o número de ginásios estaduais e ampliaram-se de cem mil para 450 mil as matrículas escolares. No início de 1970, Sarney inaugurou, com uma assistência de cem mil pessoas, a ponte de São Francisco, sobre a foz do rio Anil, ligando a ilha de São Luís — onde fica a capital - ao continente. A construção da ponte já havia passado ao domínio da lenda, pois se estendera por vários governos. A construção do porto de Itaqui, a barragem do rio Bacanga e o planejamento da cidade industrial foram outras iniciativas. Ainda em meados de 1970, antes do fim do mandato, deixou o palácio dos Leões para candidatar-se ao Senado, sendo substituído pele vice, Antônio Dino. Ao deixar o governo, recebeu uma das maiores consagrações populares nas ruas de São Luís. Quarenta e oito horas depois de ter recebido o cargo, Dino rompeu com o antecessor. Iniciaram-se então, segundo José Ribamar Caldeira, os sinais de oposição entre o sarneismo e o novo governo do estado.

    A Primeira Senatoria

    Sarney foi eleito senador pela primeira vez com 236.618 votos. Em fevereiro de 1971, assumiu o mandato no Senado e ainda nesse ano ocupou a presidência do Instituto de Pesquisas e Assessoria do Congresso (IPEAC). Nessa condição, foi um dos promotores do debate sobre a necessidade de modernização do Parlamento, tendo integrado, com Ney Braga (PR) e Franco Montoro (SP), uma comissão constituída para esse fim, presidida por Carvalho Pinto (SP). A comissão iniciou os estudos para a informatização da Casa e a criação do Prodasen, durante a gestão de Petrônio Portela na presidência do Senado (1977-1979). Esta experiência seria extremamente importante para o que faria, mais tarde, quando, na sua primeira Presidência no Senado, promoveu uma verdadeira revolução nos sistemas de informação e de comunicação do Senado Federal, criando a TV e a Rádio Senado e melhorando o sistema de informática da Casa.


    A Presidência do PDS

    Em 28 de fevereiro de 1980, a comissão nacional provisória do PDS elegeu, para presidente e secretário-geral, José Sarney e Prisco Viana, deputado pela Bahia, designando ainda os integrantes das comissões regionais provisórias em 11 estados. No decorrer de 1980, o novo partido governista viria a enfrentar sérias dificuldades internas, que colocariam em xeque a liderança de Sarney. As propostas mais democráticas de Sarney não obtiveram do partido o retorno necessário. Eram consideradas avançadas demais. Setores da linha dura e velhos políticos mais conservadores acabaram por boicotar a presidência de Sarney. As lideranças estaduais pressionariam a direção do partido em virtude da marginalização que lhes era imposta pelo governo federal. E, finalmente, havia ainda o problema do restabelecimento das prerrogativas do Legislativo, tese defendida por Sarney e pela ala liberal do partido, o que reforçaria as dissensões.
    Do lado da oposição, a escalada de atentados terroristas de direita contra setores oposicionistas provocaria uma reação mais intensa ainda, que exigiriam a rápida apuração e punição dos culpados. Novamente a oposição ensaiaria a tese da convocação imediata de uma assembléia nacional constituinte. Sarney sentia que era necessária muita calma, o momento era extremamente delicado e o caminho do diálogo, o único viável.
    No início de junho foi firmado um acordo entre as lideranças do governo e da oposição no Congresso no sentido de se conceder prioridade à tramitação da emenda denominada Flávio Marcílio que restabelecia as prerrogativas do Legislativo, suprimidas pela junta militar, através da Emenda Constitucional n° 1 de 1969, sem, no entanto, antecipar a apreciação do projeto do governo, de realização de eleições diretas para governadores e a totalidade do Senado. No fim de julho, Sarney manifestou-se a favor da total inviolabilidade parlamentar, concordando com a posição assumida pelo deputado Flávio Marcílio (PDS-CE), presidente da Câmara. Devido à pressão governamental, a emenda Flávio Marcího seria, entretanto, arquivada nesse ano.
    No fim de agosto, Sarney anunciou que procuraria Ulisses e o senador Tancredo Neves, presidente do PP, para estabelecer o que chamou de “mecanismos de consulta”, através dos quais os partidos teriam respeitadas as suas posições, mas buscariam encontrar “um terreno comum de interesse público”. Começava assim um relacionamento que seria extremamente importante para a futura Aliança Democrática. Na ocasião, sucediam-se mais atentados terroristas de direita que, segundo o senador pedessista, Luís Viana Filho, partiam “de elementos que querem perturbar a marcha do país para a democracia”. No mais grave desses atentados, explodira uma bomba na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio de Janeiro, causando uma morte: Lida Monteiro da Silva, diretora da Secretaria.
    O deputado pernambucano Tales Ramalho, secretário-geral do PMDB, o terceiro representante da oposição a ser procurado, definiu esse trabalho de Sarney como uma “quebra do radicalismo político”. No encontro, foi feita uma análise dos atentados terroristas e debatido o documento do PP apoiando o governo para a adoção das medidas necessárias ao combate ao terror. Sarney reiterou sua intenção de não excluir qualquer partido desse entendimento político, anunciando que deveria encontrar-se ainda com os presidentes do PDT, Leonel Brizola, e do PT, Luís Inácio da Silva, o Lula. Seriam também procurados os líderes dos partidos na Câmara.


    No fim de novembro, entretanto, Sarney justificou sua iniciativa de procurar os líderes oposicionistas afirmando que “tínhamos realmente uma fase difícil, em que alguns setores dentro do Congresso davam a impressão de cobrar da área militar sua participação na Revolução de 1964”. Em sua opinião, seria impossível o processo de abertura política “se as forças armadas não estivessem conscientizadas e garantindo essa mesma abertura”.

    O ano de 1981 seria particularmente difícil para o governo Figueiredo, que teria várias vezes ameaçada sua política de abertura. O principal obstáculo foi a intensificação das atividades terroristas. Reforçava-se, assim, a compreensão de Sarney de que seria necessário fazer se fazer uma transição para a democracia não contra os militares, mas com eles, profissionalizando as Forças Armadas e levando-as de volta aos quartéis.


    A aproximação com Tancredo

    No PMDB, a despeito de seu programa contrário à participação no processo indireto, um grupo, percebendo as dificuldades de todo o processo de abertura, começava a sustentar que Tancredo Neves, governador de Minas e político dotado de perfil moderado e conciliador, reunia condições para aglutinar a maioria dos oposicionistas, obter a vitória no Colégio Eleitoral e comandar a última fase da transição política em curso. Simultaneamente, crescia a campanha pelas eleições diretas. Depois de um comício em Curitiba, que teve a presença de cerca de 40 mil pessoas, mais de cem mil manifestantes reuniram-se em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, para exigir a aprovação da “emenda Dante de Oliveira”.

    A campanha popular pelas diretas ainda marcava o clima político quando, em 11 de junho de 1984, a Executiva Nacional do PDS, cuja maioria simpatizava com a candidatura de Maluf, que fazia intensa campanha de aliciamento dos delegados, vetou proposta de realização de uma consulta prévia às bases sobre os candidatos à eleição presidencial, apresentada por Sarney e pelo grupo anti-Maluf. Sarney renunciou imediatamente à presidência do PDS. Alguns dias depois, seu sucessor, senador Jorge Bornhausen (SC), também renunciou, sendo substituído pelo senador Ernâni Amaral Peixoto (RJ).

    O fortalecimento da posição de Maluf levou seus adversários a unirem-se numa frente contra ele. Em 3 de julho, Maciel anunciou que, com Aureliano, se retirava da disputa. Dois dias depois, em reunião de que os dois se ausentaram, o senador Augusto Franco (SE) foi escolhido para presidir o PDS. Em 13 de julho, Aureliano se pronunciou publicamente em apoio à candidatura de Tancredo. Em seguida, os dissidentes pedessistas se organizaram na Frente Liberal, que, em 18 daquele mês, indicou Sarney para vice de Tancredo. Cinco dias depois, Sarney desligou-se do Diretório Nacional do PDS. Nesse mesmo dia, o PMDB e a Frente Liberal fecharam um acordo para a candidatura de Tancredo.

    Ratificada a candidatura de Sarney pela Frente Liberal em 1” de agosto, data em que deixaram o PDS os governadores Conzaga Mota (CE) e Roberto Magalhães (PE), seis dias depois se formalizou em Brasília a Aliança Democrática com o PMDB. Na ocasião, foi firmado um documento intitulado “Compromisso com a Nação”, em que se propunha uma reforma institucional como meio para alcançar a democracia plena, profundas modificações na economia, uma reprogramação global da administração da dívida externa, a reformulação da política salarial e o estabelecimento de um novo pacto social, no bojo do debate sobre uma nova Constituição.

    Realizada a eleição em 13 de janeiro de 1985, a chapa da Aliança recebeu 480 votos, contra 180 dados a Maluf e ao seu companheiro de chapa, Flávio Marcílio, 17 abstenções e nove ausências. Entre os partidos de oposição, apenas o PT não a apoiou, por considerar ilegítima a eleição indireta. Tancredo, que vinha adiando uma cirurgia para depois da posse, marcada para 15 de março, internou-se na véspera, às pressas, para operar o intestino. O fato provocou grande comoção popular, que, explorada intensivamente pelos meios de comunicação, atingiria dimensões inéditas na história do país.

    A solução para o problema criado pelo impedimento de Tancredo foi objeto também de considerações jurídico-políticas. Na véspera da posse, contudo, uma reunião de Leitão e lideres políticos teria deliberado que Sarney assumiria interinamente a presidência da República.

    A Presidência da República inesperada


    Sarney, como na atual situação de Lula, recebeu uma herança pesada: 100 bilhões de dólares de dívida externa e 230% de inflação, justamente num ambiente político ansioso por reformas, com a opinião pública e a mídia iludidos de que apenas um governo poderia resolver, como por encanto, mazelas que obviamente demandariam décadas, num esforço de toda a Nação. Quase vinte anos de regime de força e violência não valeram nem mesmo para mitigar a situação das camadas populares; e os resultados econômicos deixados geraram contradições tão gritantes que a crise tornou-se aguda. Diferente de Lula, que, se contados todos que votaram nele e os votos anti-Serra, assumiu com aproximadamente 80% de apoio popular, Sarney teve que enfrentar, eleito vice-Presidente de uma eleição indireta, uma grave crise política e problemas econômicos estruturais graves, sem qualquer respaldo popular ou por parte de partidos políticos.

    Por outro lado, de 1964 a 1984, o Brasil não deixou de ser uma economia dependente do mercado mundial e de investimentos estrangeiros. A produção nacional continuou voltada para o mercado externo em detrimento do interno; os latifúndios continuaram a se estender pelo território nacional e a renda concentrou-se ainda mais. Além disso, permaneceram elevados os níveis de analfabetismo, evasão escolar, subnutrição e mortalidade infantil. A favelização das grandes cidades se intensificou, trazendo todos os seus resultados naturais: violência, drogas, banditismo, etc... Nos últimos anos desse período, acentuou-se a proletarização das camadas médias e o empobrecimento das camadas populares, geradas principalmente pela crescente inflação e pelo achatamento salarial.


    A tomada de decisões

    Mas, Sarney não se acomodou. Tomou as decisões corretas que eram factíveis naquele momento, excluindo sempre o caminho econômico ortodoxo que sacrificaria, mais uma vez, os setores mais humildes e carentes de proteção social. Por outro lado, quebrando o obscurantismo do regime anterior, buscou na transparência a principal característica administrativa de seu governo. Assim, quanto às finanças, por exemplo, a “Nova República” surpreendeu. Elaborou programa de redução das despesas e revisão dos gastos públicos, deu sistematização e transparência ao processo orçamentário (unificando o Orçamento e criando o SIAF), saneou o Banco do Brasil e o Banco Central, mas sem se submeter aos ditames do FMI e sempre valorizando os funcionários públicos, algo que os tecnocratas de hoje parecem pouco propensos a fazer.

    Neste cenário, atento ao que viria, tempos depois, a ser o verdadeiro paradigma de transparência, representado pela “Lei de responsabilidade fiscal”, Sarney iniciou, já em 1986, quando criou a “Secretaria do Tesouro”, o fim da “Conta Movimento do Banco do Brasil”. Quem se lembra, hoje, do que era a conta movimento do Banco do Brasil? Era o instrumento mais importante e mais desagregador da política brasileira. O Banco do Brasil tinha uma carteira que administrava recursos resultantes de emissões de papel-moeda e que se destinavam a socorrer empresas de amigos do governo. Era a “maquininha ‘mágica` de fazer dinheiro”, um dos fatores mais importantes que pesava sobre a inflação e que tornavam privados os recursos que deveriam ser públicos. Pois foi Sarney o primeiro presidente que teve coragem de tomar a decisão de acabar com esta aberração de fazer dinheiro e inflação, criando a Secretaria do Tesouro. Não existe, na História da República, gesto maior de moralização e transparência de recursos públicos do que este, uma verdadeira revolução no trato com o dinheiro público, pois todo mundo que chegava à Presidência deixava essa monstruosidade orçamentária continuar porque era altamente útil ao aliciamento político. E isso nunca deu manchete de jornal. Mas, como era de se esperar, o ato do Presidente Sarney provocou a ira de importantes políticos e o surgimento e inimigos poderosos nas elites e nos jornais.



    Preocupado com o Brasil, Sarney foi obrigado, também, a negociar a “moratória” em termos sempre soberanos, diante de uma herança explosiva gerada pelas estripulias financeiras que vinham desde JK e que foram maximizadas pelo regime militar. Fato que, estranhamente, não obteve apoio das esquerdas de então, nem muito menos, como se sabe, da mídia. Mas, mesmo tendo que administrar a questão da crise dívida externa - que não era um fenômeno brasileiro, pois afetava vários países e tinha origens nos juros aumentados aleatória e unilateralmente pelos EUA desde 1971 - o que também ninguém fala é que, de 1985 até 1990, o Brasil não tinha déficit no balanço de pagamentos. Nessa época tínhamos importante indústria naval, exportávamos navios, praticamente não pagávamos fretes; o controle cambial, mecanismo que nenhum país desenvolvido abre mão, era um importante elemento de contensão das perdas de divisas; e não havia, também, nenhuma subserviência do Governo Federal para com entidades multilaterais, como o FMI, que nos impusesse absurdos, como a exigência de superávit fiscal e o envio automático dos nossos tributos e contribuições para se pagar dívidas fictícias. Por tudo isso, as dívidas interna e externa, no governo Sarney, não aumentaram.

    A despeito dos devaneios ideológicos da mídia e dos pressões internacionais, por outro lado, as principais empresas estatais, durante a “Nova República”, não estavam deficitárias e nem proibidas de investir em nossa infra-estrutura; e Sarney, até o último momento, mesmo pressionado pelas conjunturas desfavoráveis, tentou evitar o processo de rapina que se constituiria, mais tarde, nas privatizações/doações do patrimônio nacional. Com estas, depois do Collor, mas principalmente com FHC, pelo contrário, aumentaram barbaramente as remessas de juros, lucros, dividendos, pagamentos de royalties, etc. Nos cinco anos do governo Sarney não houve déficit no balanço de pagamentos. O governo brasileiro precisou nos seus cinco anos apenas de 12 bilhões de dólares. Quer dizer: Sarney em 5 anos quase não usou recursos externos, não aumentou a “dívida” ,como faria, mais tarde, FHC, com a política suicida de juros altos, o descontrole cambial, a capitalização irresponsável de recursos externos e as privatizações.

    Para que se tenha uma idéia, não existia no tempo de Sarney, mas apareceu um novo item destruidor, com o futuro governo tucano: a dívida interna. E que não era - e não é - tão interna assim, pois mais de 30% dessa “dívida” é reajustada em dólar. Por tudo isso, balança comercial, balanço de pagamentos, “dívida” interna reajustada em dólar, houve a necessidade de recursos externos, a juros de agiotagem, o que não ocorreu na Nova República.

    Por outro lado, quanto aos investimentos, se compararmos os dias de hoje com o que foi feito durante a “Nova República”, verificaremos que, também neste aspecto, o período do governo Sarney, mesmo com as imensas dificuldades políticas, foi bastante bem. Por exemplo, os números levados pelo Tesouro Nacional ao recente debate no Senado sobre as Parcerias Público-Privadas, mostra a série sobre investimentos do Tesouro e atualiza os gastos do governo federal desde 1980. Não são considerados os gastos das estatais. O Tesouro atualiza os valores pelo IGP-DI (índice de inflação que capta com mais rapidez variação de preços atrelados ao dólar). O resultado do levantamento mostra, no ano passado, o menor gasto com investimentos públicos desde 1984. Foram R$ 6,9 bilhões no primeiro ano de Lula, contra R$ 6,1 bilhões no último ano completo de mandato do general João Figueiredo. A série mostra que o melhor ano em investimentos públicos foi 1987, em pleno governo Sarney - R$ 21,7 bilhões em valores já atualizados.



    Por isso, o último grande investimento na recuperação das rodovias, por exemplo, foi feito no governo Sarney, com a restauração de mais de 5 mil km, enquanto os governos seguintes deram prioridade à construção de novos trechos sem injetar dinheiro na manutenção do patrimônio existente.

    Por tudo isso, diferente do que vem acontecendo, o PIB, na época de Sarney, cresceu em média 4,4% ao ano. Em termos absolutos, atingiu 5.3%. Pelos dados do Bacen e da FCV, per capta, ou seja, dividindo o PIB absoluto pela população, de 1985 a 1989, houve um crescimento de 81,41% reais, diferente do que ocorreria com os governos Collor/Itamar, com 22.06%; e principalmente com os seis primeiros anos de FHC, míseros 1,18%. Houve, ainda, crescimento e pleno emprego — o PIB per capita em dólares dobrou, chegando a US$ 2.923 (em 2004 estava em US$ 2.789), enquanto o desemprego era o menor de nossa História (2,36%). O país era a 7ª potência industrial do mundo. Tivemos 67 bilhões de dólares de saldo comercial (contra um déficit de 8 bilhões de dólares no período de 1995/2002) O PIB passou de 189 para 415 bilhões de dólares, e a dívida externa caiu de 54% para 28% do PIB. A produção de petróleo passou de 2,7 para 8 bilhões de barris. A safra agrícola passou de 50 para 60 milhões de toneladas de grãos. No setor elétrico, a produção aumentou em 24,1%, o número de consumidores em 22,3%, foram investidos 29 bilhões de dólares. O déficit primário de 2,58% do PIB foi transformado em superávit de 0,8%.

    Como não poderia deixar de ser, o desemprego médio do Período Sarney, de 1985 a 1989, foi de apenas 3,95%, tendo chegado a 3,5% em 1989. Hoje, atinge 20%. Nos governos Collor/Itamar (1990 a 1994) a média foi de 5,05%; no de Fernando Henrique, somente até o ano 2000, atingiu a média de 5,59%. Depois disso, o índice ficou descontrolado, atingindo, desde 2001, a casa dos dois dígitos.

    O “Tudo pelo Social”



    No plano específico das políticas sociais, no governo Sarney o povo, mesmo tendo o poder efetivo de compra preservado e ainda convivendo com índices pequenos de desemprego, não podia esperar. Como era de se imaginar, amordaçado desde 64, queria mais. A “panela de pressão” política estourou nas mãos de Sarney. Os trabalhadores incluídos nas políticas sociais desde Vargas, ou seja, os sindicalizados, exigiam, naturalmente, benefícios e ganhos imediatos. Logo nos primeiros dias de governo, diante das liberdades sindicais e dos direitos de manifestação e reivindicações garantidos justamente pelo governo Sarney, os trabalhadores foram à luta, não perderam tempo. Mais uma vez, Sarney, dialeticamente, gerava as condições democráticas que, ironicamente, se voltariam contra ele. Era o preço pago por ser um democrata convicto.

    Ao garantir a liberdade sindical e não aceitar repressão aos trabalhadores foi bombardeado justamente por eles. E a imprensa, lógico, não perdoou. Em análises sempre simplistas e descontextualizadas, passava a imagem de que a explosão reivindicativa dos trabalhadores era coisa do Sarney, o cordeiro que necessariamente tinha que ser imolado, sempre. Fenômeno típico do sistema presidencialista. Depois de anos de repressão violenta contra os trabalhadores e os sindicatos, o País foi sacudido por uma ampla onda de greves, capitaneadas pela CUT e pelos petistas nada moderados de então, mal começava o novo governo, o primeiro civil em muitos anos. As diversas negociações entre grevistas, patrões e governo deixaram claro que a realização de um “pacto social”, defendido pelo Presidente, seria bastante delicado e difícil de acontecer, mas, em momento algum o governo deixou de negociar e mediar os conflitos através das juntas de conciliação promovidas pelo ministro do Trabalho, Almir Pazzianoto. Criou-se, naquele período turbulento, por determinação do Presidente Sarney, a cultura da negociação entre patrões e empregados e instituiu-se, definitivamente, a Justiça Trabalhista, com enorme eficiência devido à criação de centenas de Juntas de Conciliação e Julgamento. Foi uma área em que o governo atuou com grande e sensível competência, tanto política quanto jurídica. Mas, na mídia, nada foi mostrado como deveria. Ou seja, mostrava-se o problema, mas não as soluções e os esforços assumidos.

    A todos os movimentos grevistas, incluídas duas tentativas fracassadas de greves nacionais, o presidente Sarney reagiu com paciência, estimulando patrões, empregados e integrantes do governo a administrarem democraticamente esse fenômeno inerente às economias industrializadas, preparando o terreno para a adoção das regras que hoje se encontram cristalizadas no art. 9° da Constituição de 1988 e na Lei n° 7.783, que sancionou em 28 de junho de 1989.

    Como conseqüência natural da política de abertura adotada em relação às greves, o governo também se comportou de forma marcadamente liberal no tocante ao reconhecimento de entidades sindicais. Pois, é bom se lembrar que, até a promulgação da Constituição dei 988, o ministro do Trabalho dispunha de poder discricionário em matéria de legislação sindical. Prevaleciam, portanto, as antigas disposições da CLT relativas a esta matéria, especialmente aquelas constantes do Título V. Competia ao ministro, com exclusividade, determinar a expedição ou não de carta de reconhecimento sindical à associação profissional que entendesse merecedora da distinção, colhendo antes o parecer da Comissão de Enquadramento Sindical e, eventualmente, dos órgãos de informação.



    O governo do presidente Sarney, não obstante institucionalmente preso à legislação celetista, liberou o deferimento dos pedidos, de tal maneira que, entre março de 1985 e setembro de 1988, às vésperas da entrada em vigor da nova Constituição, haviam sido reconhecidas 2.269 entidades, das quais 823 representantes de segmentos profissionais ou econômicos urbanos e 446 rurais. No mesmo período foram concedidos, como exigia a legislação, 335 extensões de bases territoriais urbanas, abrangendo 2.235 municípios. Atendendo a reivindicações feitas pelos trabalhadores da categoria, em 4 de agosto de 1988 baixou o decreto nº 96.469, reconhecendo a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos.

    Neste cenário de liberdade para a reorganização dos trabalhadores, aconteceu, com plena liberdade, o 2° Congresso Nacional da CUT, realizado nos dias 31 de julho, 1, 2 e 3 de agosto de 1986, no Maracanãzinho, Rio de Janeiro, RJ. Participaram 5564 delegados de 1.014 entidades sindicais. A CUT firmou-se como referência para a classe trabalhadora. Tem início sua consolidação nacional. Os delegados começam a discutir mudanças no Estatuto a partir das experiências acumuladas. Aprovam a estrutura vertical da CUT, criando os departamentos profissionais, ou seja, por ramo de atividade, o que trouxe à Central novas questões, como o sistema de contratação coletiva e seus reflexos na própria estrutura corporativa. A partir desse Congresso estruturam-se os departamentos nacionais dos bancários, metalúrgicos, petroleiros, químicos e de educação, construindo-se articulações de comissões provisórias em diversos outros segmentos: vestuário, urbanitários, construção civil, transportes. O contrato coletivo de trabalho passa a ser o ponto central dos debates sobre a democratização das relações trabalhistas.

    Portanto, diferente das atuais tentativas de abolição das conquistas históricas dos trabalhadores, como as propostas de alteração da CLT e do Sistema Previdenciário, nos governos FHC e Lula, Sarney procurou reforçá-las, como foi o caso tanto da Juntas de Conciliação quanto a decisão política de Sarney em universalizar a cobertura do INPS (atual INSS). Quanto a este tema, Sarney tinha a preocupação em proteger não apenas os trabalhadores que possuíam uma boa base organizacional e uma grande capacidade de mobilização. Para estes, bastava o fato do Presidente não tratar suas greves e manifestações com arbítrio e repressão; e de garantir mecanismos institucionais que preservassem seus salários, como os reajustes periódicos que acompanhavam o índice inflacionário. O presidente se preocupava, principalmente, com aqueles setores marginalizados que nem no mercado de trabalho estavam e que, durante o regime militar, foram os que mais sofreram, mesmo durante o chamado “milagre”.

    Para se entender melhor esta questão, nunca é demais lembrar que, antes de 1985, quem não estivesse no INPS (hoje, INSS) não tinha direito a nada. Sarney criou a universalização da saúde, a proteção do homem do campo, pescadores, deficientes e todos aquelas categorias que não eram assistidas pelos mecanismos sociais do Estado. Criou, ainda, o direito à impenhorabilidade da casa própria, o bem da família, inovando no que seria também incorporado à Constituição: a preocupação em destacar que a propriedade deve ter um fim social e que se deve ter um limite existencial para a família diante dos credores. Estendeu aos pobres, ainda, o direito à cidadania, pois foi no seu governo que os analfabetos conquistaram o direito de voto.

    Durante o regime militar foram pouco significativas as discussões sobre a reforma agrária. Porém, em 1985, durante o governo Sarney, o plano de reforma agrária volta com tudo. Por decisão do presidente José Sarney, foi criado um grupo de trabalho interministerial encarregado de elaborar e apresentar um documento contendo as ações do governo e os instrumentos necessários à fixação do homem no meio rural. Em maio de 1985 o Ministro da Reforma e Desenvolvimento Agrário, Nelson Ribeiro, entregou aos dirigentes do Congresso Nacional e às lideranças dos partidos políticos o Plano Nacional da Reforma Agrária. A meta do PNRA era assentar 1,4 milhão de famílias em 4 anos, dentro de um contingente de beneficiários estimado 7 milhões de famílias, incluídos posseiros, arrendatários, parceiros, assalariados rurais e minifundistas.



    O jornal Folha de S. Paulo, de 28 de maio de 1985, publicou as principais medidas do Plano de Reforma Agrária, que no projeto tinha como prioridade a desconcentração fundiária nordestina. Fundamentada no “Estatuto da Terra” para ser discutida com sociedade civil, o projeto se tornou alvo de grandes debates públicos envolvendo sindicatos, ONGs e etc. Apesar disso, os ruralistas conseguiram impor diversos recuos na programação do governo. Embora Sarney não tenha conseguindo apoio do Congresso nesta área, em seu governo foram assentadas cerca de 10 mil famílias por ano. A área desapropriada por Sarney em cinco anos de governo chegou a 4 milhões de hectares.

    O governo da “Nova República” também atuou em outras áreas sociais, justificando o lema “Tudo pelo Social”, criado pessoalmente por Sarney: o vale transporte, a defesa das minorias (criou a Fundação Palmares, as delegacias de defesa das mulheres), o vale-refeição e o programa do leite, que antecipou a distribuição da cesta-básica e os princípios do que hoje os petistas chamam “Fome Zero”, mas que no passado, ironicamente, condenavam como assistencialismo.

    Por tudo isso, se consultados dados oficiais e os relatórios de instituições internacionais multilaterais, como o Unicef, durante o governo Sarney verificou-se o mais baixo índice de miséria no Brasil. Não coincidentemente, foi também no seu governo que se registraram as mais baixas taxas de desemprego em toda a História do País, o que é surpreendente, quando se analisa o contexto socioeconômico que herdou.

    A Diplomacia
    Durante a “Nova República” a política externa retomou sua importância, refletindo os ares democráticos do plano interno. O Brasil retornava o caminho da normalidade institucional. Assim, deu-se o reencontro com o mundo. Superamos por completo o isolamento. Cessaram as pressões, as críticas e, mesmo, as hostilidades que tanto haviam abalado a imagem do País nos anos anteriores, principalmente depois do governo Geisel.

    Em setembro de 1985, falando pela primeira vez na tribuna das Nações Unidas, Sarney afirmou: “Estamos reconciliados. A nossa força passou a ser a coerência. Nosso discurso interno é igual ao nosso chamamento internacional”.

    Com aquela proclamação o Presidente acentuava que, numa democracia, não há fronteiras entre a política interna e a política externa. A política externa do governo José Sarney, portanto, constitui um momento importante para a análise das mudanças na matriz da política externa brasileira nos anos 80, pois se situa entre as duas fases bem definidas, a política externa do regime militar e política externa neoliberal do governo Collor em diante. Nesse sentido, quais seriam as linhas de continuidade e ruptura no governo Sarney? A diplomacia do governo José Sarney caracterizou-se por manter o que havia de melhor na tradição diplomática do Itamaraty, mas eliminando os constrangimentos setoriais do período militar e patrocinando algumas inflexões diplomáticas importantes no que se refere ao encontro do Brasil com os vizinhos do Cone Sul.

    O contexto internacional dos anos 1980 era muito delicado e em franca transição. Foi caracterizado pela retomada da ofensiva dos EUA nos cenários mundial e regional, pela crise do campo socialista, pelas dificuldades do diálogo Norte-Sul, pela crise da dívida externa e a pressão das economias desenvolvidas sobre os países mais pobres. Assim, os novos condicionantes internos (abertura política e crise econômica) e externos, obviamente, afetaram a política externa brasileira. Era necessário buscar novas alternativas nas regiões menos desenvolvidas e em países em desenvolvimento, como a China.

    Nas relações hemisféricas, cabe lembrar as relações conflituosas com os EUA e a aproximação com os países da Bacia do Prata, em especial a Argentina, que culminaram com os tratados de integração na região. A relação de turbulência com os Estados Unidos desencadeou uma série de iniciativas em direção ao Sul. O relacionamento com países estratégicos provinha da necessidade de desenvolver projetos de cooperação em áreas específicas e como contrapartida ao desgaste nas relações com os EUA e a relativa perda de dinamismo nas relações com os países europeus.

    Como contrapartida, o Brasil desencadeou urna verdadeira ofensiva diplomática em relação aos países do campo socialista e aos países do Sul. Nesse sentido a URSS e alguns países do Leste Europeu significaram novos espaços de relacionamento, na busca de recursos e cooperação tecnológica. Mas foi no Oriente Médio, África e Ásia (em especial a China) que o governo brasileiro buscou aprofundar seu relacionamento comercial (vendendo nossos produtos de tecnologia intermediária e tropicalizada) e ampliando a capacidade diplomática do país. Ação que, hoje, cônscios do que vem representando a potência econômica chinesa para a economia mundial, mostrou-se extremamente correta.

    A América Latina, sem dúvida, foi o palco central das mais importantes ações diplomáticas durante do governo Sarney. No período, iniciamos a política de integração com a Argentina, pondo fim a uma longa história de desconfianças, rivalidades e competição. A utilização da energia nuclear, até então questão muito sensível, transformou-se em estímulo à cooperação pacífica e a um relacionamento de plena confiança e maturidade. Quando o Presidente Alfonsin convidou Sarney para visitar a usina de reprocessamento de urânio em Pilcaniyeu, onde jamais estivera presente qualquer autoridade estrangeira, de qualquer nível, o Presidente Sarney convenceu-se de que ali começava uma nova era nas relações Brasil-Argentina. E foi o que aconteceu. Tentando encontrar alternativas internacionais para a economia e sempre na vanguarda da Juta em defesa da Amazônia, foi Sarney o grande artífice do “Mercosul”, pois foi a força política que efetivamente viabilizou esse importante mercado no “Cone Sul”, simplesmente porque, ao remanejar as forças militares brasileiras do Sul para o “Projeto Calha Norte”, matou dois coelhos numa cajadada só: por um lado, permitiu a distensão das históricas desconfianças militares Brasil-Argentina na Bacia Platina e, ao mesmo tempo, viabilizou um importante projeto de defesa da Amazônia, com o “Projeto Calha Norte”.

    Os frutos dessa política têm sido colhidos até hoje, e muitas outras frentes de atuação internacional também foram abertas pelo Brasil. Criou-se a “Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”, no âmbito do qual foi possível ao Brasil interferir corno elemento político importante para o que os EUA, por exemplo, não invadisse a Nicarágua. Assim, houve a ajuda do Brasil na pacificação de conflitos na América Central.

    Participou-se, também, ativamente, desde sua instituição, do “Mecanismo de Consulta e Concertação Política do Grupo do Rio”. E em1988, o Brasil voltou a ocupar um assento não-permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, depois de 20 anos de ausência daquele órgão. O lançamento da Rodada Uruguai do GATT, cor 1986, que havia suscitado grande polêmica internacional em razão da tentativa de inclusão nas negociações do item “serviços”, além de bens e mercadorias, contou com a decidida contribuição brasileira, pois o Brasil integrou todos os 15 grupos de trabalho da Rodada: assegurou-se a presença brasileira na discussão da regulamentação do comércio internacional nos mais diversos setores.

    A unidade lingüística do Brasil é, por outro lado, um ativo nacional que, no plano externo, incide na prioridade concedida tradicionalmente às nações africanas de expressão portuguesa. No governo Sarney, com o concurso do então Ministro da Cultura, José Aparecido, criou-se o “Instituto Internacional da Língua Portuguesa”, que hoje está em pleno funcionamento dentro do atual estágio de desenvolvimento da “Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa.

    A Cultura

    A preocupação do Presidente Sarney com a cultura na Nova República foi um desdobramento natural de sua própria personalidade. Acadêmico desde 1980, tendo já escrito vários livros, no poder, Sarney não poderia se esquecer do elemento mais importante para uma nação: sua identidade cultural. Por isso, ele criou o Ministério da Cultura, pelo Decreto n°91.144, de 15 de março de 1985.

    Mas a sua luta nesta área não era coisa nova. Já em 1972, então senador pelo Maranhão, apresentou o projeto de lei número 54, que “permitia deduções do imposto de renda das pessoas jurídicas e físicas para fins culturais, a partir do exercício de 1973, ano-base 1972”. O projeto acabou arquivado. Em 1975 reapresenta o projeto de lei que tomou o número 56, que terminou igualmente arquivado. No mesmo ano de 1975 apresenta também o projeto número 80, que criava fundos financeiros para a área cultural. Em 1980, insiste. Apresenta o projeto número 128, que em sua emenda permitia “deduções no imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, para fins culturais, a partir do exercício financeiro de 1981, ano-base de 1980”. Foi igualmente arquivado. No mesmo ano de 1980 apresenta o projeto número 138, que isentava os ingressos de espetáculos cênicos de qualquer imposto, fosse estadual, municipal ou federal.

    Todos esses projetos de lei foram sistematicamente arquivados sob a alegação de que eram inconstitucionais, porque representavam despesas ou isenções que só poderiam ser criadas através de uma iniciativa exclusiva do Poder Executivo. Quando assumiu a Presidência da República, Sarney teve a oportunidade histórica de finalmente converter o projeto em realidade, transformando-o em lei. Foi o que aconteceu. A Nova República também inovou na área cultural com a promulgação da Lei Sarney de incentivo à cultura. Basicamente ela concedeu incentivo fiscal às pessoas jurídicas e físicas que doassem, patrocinassem ou investissem em favor de operações de caráter cultural ou artístico, O contribuinte - pessoa física - poderia abater da renda bruta de sua declaração de rendimentos os valores transferidos para o setor cultural até o limite de 10% da referida renda. Já o contribuinte “pessoa jurídica” poderia abater como despesa operacional os valores efetivamente transferidos para o setor cultural. Cumulativamente podia deduzir do imposto devido no valor equivalente à aplicação de alíquota cabível do imposto, desde que observado o limite de 2%.

    A Economia

    As questões econômicas mais explosivas que surgiram na “Nova República” tiveram origem mais atrás e estavam diretamente ligadas à opção errada do Brasil por um desenvolvimento sem sustentação, pois atrelado na falácia do padrão-dólar e na oligarquia financeira mundial. A falta de apoio dos partidos ditos progressistas na questão da moratória no governo Sarney - e a total incompreensão com relação às origens da questão inflacionária - foram as maiores omissões da mídia e da classe política na “Nova República”. Por exemplo, não é verdade que, durante o governo Sarney, tivemos altas taxas de inflação, muito menos hiperinflação, como veremos a seguir.
    O texto abaixo é do historiador marxista inglês Perry Anderson, pesquisador erudito e conhecido como um dos maiores críticos tanto do neoliberalismo quanto do comunismo de cunho soviético. Junto com Norberto Bobbio, era citado como um dos dois grandes pensadores vivos do século XX. Grande defensor da social-democracia foi autor de estudos importantes não só de História Contemporânea, mas também de clássicos sobre a formação do capitalismo e da modernidade, como “Linhagens do Estado Absolutista” e “Passagens do escravismo para o feudalismo”.
    Nesta transcrição de uma palestra, feita por Emir Sader, há uma análise interessante de Perry Anderson sobre a origem e o desenvolvimento do neoliberalismo desde a II Guerra Mundial. Na parte em que fala sobre a hiperinflação - e a posterior imposição das políticas neoliberais na América Latina - faz comentários reveladores e extremamente importantes para o governo Sarney, desmistificando a idéia imposta pela mídia de que o governo da “Nova República” convivia com uma hiperinflação crônica (o que efetivamente aconteceu, como sabemos, somente após o acirramento do processo sucessório, no final do governo, diante dos ataques de Collor e do medo de um provável governo Lula - fenômeno semelhante que também aconteceu nas últimas eleições presidenciais com o chamado “Risco Brasil”).
    Como consultor do Banco Mundial naquela época, o historiador mostra que membros daquele banco de “fomento” tinham razões políticas claras para enfraquecer o governo Sarney, pois este se mostrava como o único líder da América Latina resistente às pressões internacionais para que se adotassem as políticas neoliberais. Ou seja, a criação do mito da hiperinflação era uma forma de se forjar no Brasil, a partir de então, um modelo referencial (paradigmático mesmo) que pudesse quebrar as resistências de toda a América Latina ao neoliberalismo, como a História infelizmente viria a confirmar.

    O palestrante diz o seguinte:

    (sic)
    “Recordo-me de atua conversa que tive no Rio de Janeiro, em 7987, quando era consultor de unia equipe do Banco Mundial e fazia unia análise comparativa de cerca de 24 países do Sul, no que tocava a políticas econômicas. Um amigo neoliberal da equipe, sumamente inteligente, economista destacado, grande admirador da experiência chilena sob o regime de Pinochet, confiou-me que o problema crítico no Brasil durante a presidência de Sarney não era atua taxa de inflação demasiado alta — conto a maioria dos funcionários do Banco Mundial tolamente acreditava —, mas uma taxa de inflação demasiado baixa. ´Esperemos que os diques se rompam`, ele disse, ´precisamos de uma hiperinflação aqui, para condicionar o povo a aceitar a medicina deflacionária drástica que falta neste país`. Depois, conto sabemos, a hiperinflação chegou ao Brasil, e as conseqüências prometem ou ameaçam — conto se queira — confirmar a sagacidade deste neoliberal indiano”.



    Depois das resistências no governo Sarney, as pressões impostas aos governos neoliberais, como o de FHC, no Brasil, Menem, na Argentina, ao longo dos Anos 90, no sentido de se impor uma alienação/privatização das indústrias petrolíferas nacionais, portanto, nunca tiveram as razões monetaristas argumentadas pela mídia. O que pode respaldar a observação do historiador inglês é o fato de que durante o governo Sarney a inflação nédia do período (1985/1989) foi de 727,7%. No período seguinte (19901994), todos os indicadores pioraram, inclusive no front inflacionário, onde a média anual atingiu 1.321, 3%.
    Mas, mesmo não se atingindo um processo de hiperinflação, Sarney tinha consciência da necessidade de se atacar o processo inflacionário. Tomou posição, não se omitiu. Aliás, o erro pela omissão seria muito mais grave para o País do que os eventuais equívocos posteriormente constatados, Com uma base de sustentação política fraca e consciente de que novas medidas recessivas poderiam levar a uma situação de convulsão social, Sarney teve que assumir a responsabilidade em adotar medidas não ortodoxas duras. Sabia que as eleições de 1986 não poderiam transcorrer em clima tenso, tinha consciência de que setores radicais tanto da extrema esquerda quanto da extrema direita, num eventual cenário explosivo economicamente, seriam fortalecidos, o que inviabilizaria a formação de uma Constituinte construtiva, não revanchista. A frustração com a Constituinte, depois da população já ter se decepcionado com a morte de Tancredo, poderia desacreditar as soluções democráticas e impelir a população para novas aventuras autoritárias. Mas as eleições para a escolha dos constituintes se aproximavam.
    Portanto, certamente, não foi por omissão que as coisas não funcionaram na conjuntura econômica. Em 28 de fevereiro de 1986 o presidente tomou a decisão correta: decretou o congelamento geral de preços e salários. Em sessão solene transmitida pela TV, Sarney declarou guerra à inflação e conclamou todo o povo para o bom combate. Depois de anos de decisões tecnoburocráticas impostas ao povo, finalmente, o Brasil tinha identidade com o seu presidente. O Plano Cruzado combinava austeridade fiscal e monetária com a preocupação de elevar a renda dos assalariados, o que realmente conseguiu. Muda a moeda de cruzeiro para cruzado, congela preços e salários, extingue a ciranda da correção monetária e cria o seguro-desemprego e o gatilho salarial. Pela sua formação política social-democrática, o Presidente Sarney decidiu não aceitar soluções ortodoxas que implicassem em medidas recessivas e o sacrifício dos trabalhadores, como impunha o FMI e que fizera Figueiredo antes e absolutamente todos os posteriores presidentes. Quando a equipe econômica lhe informou que não haveria a reposição salarial, imediatamente o Presidente exigiu que se constasse no plano garantias nesse sentido. Aliás, houve, em todo o processo de criação e do lançamento do plano, divergências entre alguns membros da equipe econômica. Sempre que estas divergências eram apresentadas para o Presidente Sarney, principalmente quando se tratava do teor recessivo ou não do plano, da necessidade ou não de prejuízo para o poder de compra dos trabalhadores, o presidente interferia. Era a posição política do Presidente ante a frieza da tecnocracia.
    Neste contexto, muitas informações foram sonegadas ao Presidente. Mas, a verdade é que a equipe econômica, formada por muitos teóricos vinculados às universidades norte-americanas, passava as informações ao Presidente já selecionadas conforme seus pressupostos. Não é mera coincidência o fato de que muitos dos titulares dos principais cargos que decidem sobre as políticas macroeconômicas em quase todos os países “emergentes” (no Brasil inclusive) eram sempre escolhidos exatamente entre pós-graduados das universidades norte-americanas, que engendraram e vêm difundindo orquestradamente as medidas “globalizantes” e que provocaram os mesmos efeitos perversos no México, em países da Ásia, na Rússia, no Brasil e, há pouco, na Argentina.
    Mas todos eles sabiam que Sarney, pela sua influência católica e com grande simpatia pelas idéias keynesianas, seria um grande empecilho para o projeto neoliberal. O Presidente Sarney não tinha muitas opções, quando o assunto era a escolha de técnicos da área econômica, pois quase todos eles, dos quadros da própria estrutura do Bacen ou dos ministérios econômicos, tinham sido criados intelectualmente doutrinados por concepções monetaristas e neoliberais. Por exemplo, Pérsio Anda, um dos “pais” do “Plano Cruzado”, banqueiro, ex-presidente do Banco Central e do BNDES e professor da PUC/Rio, doutorou-se em economia pelo Massachusetts Institute of Tecnology (MIT-EUA). É um dos mais destacados integrantes do grupo de economistas-banqueiros saídos da PUC/Rio. Foi um dos fundadores do Banco BBA e hoje é um dos diretores do Banco Opportunity, controlado por Daniel Dantas. Representa este banco no conselho de administração da Vale do Rio Doce.

    No governo Sarney, ocupou uma diretoria do Banco Central, um cargo tecnocrático. Integrou o conselho de administração do Unibanco. O artigo que escreveu com André Lara Resende, intitulado “lnertial Inflation and Monetarv Reform in Brazil” e que foi originalmente apresentado em Washington, em dezembro de 1984, num seminário promovido pelo Institute for International Fconomics (o mesmo que organizou, em novembro de 1989, o encontro que estabeleceu o chamado Consenso de Washington), é considerado uma das principais bases teóricas dos planos de estabilização adotados no Brasil, principalmente o Plano Real. No começo de 1995, quando já assumira a presidência do Banco Central, passou o carnaval na fazenda do ex-sócio, o banqueiro Fernão Bracher presidente do Banco BBA, num momento em que o país enfrentava uma tempestade financeira provocada pela quebra do México e o Banco Central intervinha no mercado de câmbio. O BBA auferiu enormes lucros na área cambial a partir da implantação do Plano Real. Luiz Carlos Bresser Pereira, outro economista, fez o mestrado na universidade de Michigan (EUA) e doutorou- se em economia pela USP. Foi o coordenador financeiro da campanha eleitoral de FHC. No governo Sarney foi ministro da Fazenda, e no governo FHC foi ministro da Administração e Reforma do Estado (MARE) e ministro da Ciência e Tecnologia. Foi professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (SP). Foi um dos tecnopols brasileiros a comparecer como convidado às reuniões que culminaram com a elaboração do conjunto de teses e doutrinas que configuraram o chamado “Washington Consense”. Mas, mesmo sem opção naquele momento e cercado por estas figuras manjadas, Sarney resistiu. O plano consistia em uma tentativa de combater a inflação sem comprometer o crescimento econômico e o bem estar social, rompendo assim com as práticas ortodoxas tradicionalmente adotadas no Brasil desde o início do século, que, como sabemos, defendiam o combate à inflação aliado à recessão. Mas, infelizmente, tinha os seus limites: as concepções monetaristas vinculadas ao padrão-dólar como moeda de referência internacional. Ou seja, diante da iminência de lançamento do plano, havia uma clara divisão entre as pessoas responsáveis, direta ou indiretamente, na implantação do plano: o Presidente Sarney defendendo concepções anti-recessivas e com preocupação social e aqueles que não conseguiam enxergar nada além da questão financeira. Sarney sabia não podia adiar decisões. Mas o plano tinha que sair logo. E assim foi feito.

    Sarney tinha convicção de que implantar a recessão para combater a inflação naquele contexto extremamente delicado seria um equívoco, dadas as desigualdades sociais e o estado de miséria em que vivia grande parte da população brasileira. Acrescentem-se ainda as próprias peculiaridades da economia brasileira, na qual, devido ao longo período inflacionário, o aumento dos preços havia ganho um impulso “inercial”, isto é, os agentes econômicos responsáveis pela definição dos preços (principalmente grandes conglomerados transnacionais) tinham o hábito de remarcar os preços para cima sem que houvesse razões contábeis para isso. Dada a alta generalizada dos preços setoriais, um reajuste podia não ter motivos claros.




    Esperava-se que, num intervalo de 12 meses, a população se “acostumasse” com preços estabilizados e a inexistência da correção monetária fizesse com que o impulso inflacionário diminuísse ou até desaparecesse, estancando o fator inercial.

    Os primeiros resultados foram espetaculares. O presidente obteve aprovação quase unânime da população. Mais de 95% do povo apoiava o “Plano Cruzado”. A imprensa aderiu imediatamente. Até a IV Globo criou uma vinheta sugestiva: “tem que dar certo”. Quase todos os cidadãos aderiram auto-proclamando-se “fiscais do Sarney”, o que foi a maior mobilização política da cidadania brasileira. Surgiram associações de defensores da ordem econômica, o povo se mobilizou. Choviam reclamações na SUNAB. A adesão da intelectualidade foi quase total. Os partidos políticos que recentemente atacavam Sarney aderiram em massa ao presidente. A esquerda, inclusive o nascente P1, perdeu o discurso e ficou na dela, fazendo biquinho, gorando o plano e esperando velho “quanto pior melhor” - Como pregar o socialismo se o próprio governo o adotara?

    Ao mesmo tempo, esperava-se um deslocamento do capital imobilizado nos ativos financeiros para o setor produtivo da economia, enquanto os salários se valorizavam, passando a ter efetivo poder de compra. Pode-se falar inclusive de uma real distribuição de renda, se for observado que o consumo de certos produtos básicos cresceu inesperadamente nos primeiros meses do congelamento.

    De fato, o Plano Cruzado trouxe, por exemplo, uni rápido aumento no consumo de remédios e produtos farmacêuticos em geral: a população brasileira mais pobre, embora doente, nunca tivera dinheiro para comprar remédios. Agora uni pouco de dinheiro estava disponível, Outro exemplo significativo encontrava-se no consumo de colchões, qne apresentou rápido crescimento nas grandes cidades. Pensando-se nas favelas, onde muitas vezes pessoas amontoam-se nas mesmas camas, pode-se facilmente imaginar o que ocorreu. Também o consumo de carne disparou: o brasileiro pobre voltou a consumir proteínas.

    O esforço da Nova República, com o plano Cruzado, não daria certo, como a História comprovaria, muito mais pela insistência da área econômica no aspecto monetário e da ação deletéria dos grandes conglomerados transnacionais, do que pefa capacidade de decisão e liderança do Presidente. Não deu certo não pelo que foi feito, mas pelo que se deixou de fazer, principalmente porque não houve condições políticas para se romper com os pressupostos errados do monetarismo da própria equipe econômica. A existência de uma economia altamente oligopolizada, com o controle de 60% por parte de transnacionais, fez com que fosse fácil para os interessados na internacionalização definitiva de nossa economia atuarem contra o plano econômico, utilizando-se de pressões, controle sobre os fornecedores, etc..

    Afirmar, hoje, no entanto, que Sarney, como estadista, estava errado ao implantar o plano, constitui simplismo analítico dos mais absurdos e irresponsáveis. Depois de passados vinte anos, quando já sabemos os resultados históricos do que se passou, fica fácil dizer o que não deveria ter sido feito. Diante da infinidade de opções que se apresentavam ao governo Sarney, naquele momento, é fácil criticar uma decisão que, a priori, já sabemos que não deu certo. É como se um esperto qualquer, já conhecendo o que aconteceu na História da Franca, dissesse que Napoleão era “burro” como estrategista porque invadiu a França e se deu mal. E que Hitler era duplamente “burro” porque, mesmo sabendo da história de Napoleão, também invadiu a Rússia e acabou detonado em Stalingrado. Esta análise é por demais superficial e desonesta, e desconsidera que, quando se tem que tomar uma decisão, no desenrolar do processo histórico, há no máximo suposições e projeções sobre os resultados, nunca a compreensão acabada e perfeita sobre o futuro.



    Mas, o importante é a tomada de posição, não se omitir diante das adversidades. Foi o que aconteceu com o estadista Sarney. Não se omitiu diante do processo inflacionário. Tomou as decisões corretas diante do leque de opções que sua equipe econômica lhe fornecia. O problema, no entanto, não estava na decisão e na convicção do Presidente em acertar, mas nas opções apresentadas pelo contexto histórico. Não estamos falando de um tirano ou de uni rei absolutista, mas de um Presidente restaurador da democracia em nosso País, portanto, o chefe de uma equipe plural de assessores e auxiliares que deveriam lhe fornecer as informações corretas necessárias para que pudesse tomar decisões. É assim que as coisas funcionam nas democracias, principalmente no presidencialismo. E as informações da equipe econômica de então eram eivadas de pressupostos, embora tais pressupostos não tenham sido superados por todas as posteriores equipes econômicas dos presidentes Collor, Itamar, FHC e, agora, com Lula, todos iludidos pelas mesmas concepções monetaristas equivocadas que inviabilizaram o Plano Cruzado. Por isso mesmo, todos, absolutamente todos, até hoje, não acertaram. E aos futuros presidentes que persistirem no mesmo equívoco, fatalmente estarão fadados ao fracasso.

    A Preocupação com a autonomia tecnológica

    Na área de pesquisa tecnológica, Sarney também herdou uma situação bastante difícil. O governo Figueiredo tinha abandonado por completo a política de desenvolvimento do setor em decorrência dos problemas financeiros. Laboratórios paralisados por falta de recursos, a comunidade científica descrente com o poder público e o investimento no setor descendo a níveis baixíssimos, o que nos colocava em posição de inferioridade, mesmo em comparação com países semelhantes ao nosso nível técnico-científico. No seu governo, diante da gravidade do problema, Sarney tentou inverter a situação - e conseguiu - e nos esforçamos para manter uma média anual de investimentos acima de 1% do Produto Interno Bruto (PTB).

    Numa comparação entre os investimentos por PIB, Brasil e Estados Unidos, hoje, gastam 0,6% e 0,74% respectivamente. Porém, não podemos esquecer que estamos falando do PIB norte-americano, muito maior que o brasileiro. Assim, os US$60 mil per capita que o Brasil investiu no ano retrasado, por exemplo, são equivalentes ao investimento feito pela China em 1935. No Brasil, só tivemos investimentos superiores ou igual a 1 %, na Era Vargas, no “Milagre” do Regime Militar e durante o governo Sarney. Nos dois primeiros, passávamos por um período de crescimento acelerado. Durante a “Nova Republica”, em profunda crise econômica herdada, com a explosão da dupla crise da inflação e da dívida externa, mesmo assim insistimos e conseguimos atingir importantes 1% do PIB voltados para a os investimentos em ciência e tecnologia, fato que se reverteu a partir do governo Collor.

    A luta pela Amazônia

    Sarney foi o primeiro amazônida a assumir a Presidência da República. Não foi à toa que o destino o levou a se eleger senador pelo Amapá, uma terra síntese daquela imensa região brasileira. Seu período de governo, com certeza, foi o mais rico em transformações institucionais, em clima de liberdade e democracia. Não tivesse a tormentosa missão de “conduzir o Brasil na travessia das margens do autoritarismo às margens da democracia”, com certeza, teria sido aquele que daria seqüência à integração do território nacional, nas picadas abertas por Getúlio Vargas e JK, praticamente os dois únicos governantes a pensarem o Brasil no seu contexto geopolítico de território que ainda não foi completamente ocupado por seu povo. Os militares conceberam a Transamazônica e as Perimentais, mas a tecnocracia, sem sensibilidade política necessária, nunca revelou muito êxito no alcance de seus objetivos.

    Foi o presidente Sarney, 25 anos após o impulso da Belém-Brasília de 3K, o responsável por implementar e articular uma política de desenvolvimento para a região. Fortaleceu os órgãos regionais como a Suframa, o Basa e a Sudam e apoiou a transformação dos territórios federais em estados (Roraima e Amapá) em estados. De um ano para outro, triplicou o orçamento da Sudam. Entre algumas das ações desenvolvidas na região destacaram-se o programa de zoneamento econômico-ecológico da Amazônia, usando técnicas de sensoriamento remoto e os estudos para o aproveitamento integrado das bacias dos rios Madeira, Branco, Trombetas e Baixo Tocantins.

    Foi elaborado o 1º Plano de Desenvolvimento da Amazônia e reorientados os programas de pólos agroindustriais e agro-minerais da Amazônia, complementando as ações da reforma agrária, além do desenvolvimento de um programa de produção de alimentos que beneficiou mais de 56 mil famílias de pequenos produtores. O então presidente preocupou-se com a recuperação do Banco da Amazônia e com a consolidação da Suframa como pólo de desenvolvimento irreversível, sendo que em seu governo foram aprovados cerca de 200 projetos em um total de 475 em 10 anos, 70 mil novos empregos foram criados e o índice médio de nacionalização atingiu 75%.

    E aquela que seria a obra mais relevante e audaciosa acabou não se configurando devido à inexorabilidade do tempo e ao bombardeio da mídia paulista: a Ferrovia Norte-Sul. Mas ficou A semente e a idéia, que é hoje um bandeira de luta para o desenvolvimento de uma vasta região, de Goiás ao Pará, ansiosa por ser empunhada por um presidente da República que, mais unia vez, prossiga os rumos de Vargas e JIK.

    A concentração de esforços e meios para implantação da Ferrovia Norte-Sul impunha-se como fator de integração do País. Esta ferrovia, com vértice em Itaquí, viabiliza o escoamento da produção explosiva de grãos no Centro-Oeste e cria um novo eixo de modernização da economia nacional, interligando a região geoeconômica de Brasília com a Amazônia e o Nordeste — estratégia válida no sentido de abrir novas e grandes áreas de expansão, com aproveitamento inteligente e à luz da ciência ambiental, em reação à exploração predatória e improvisada que vinha ocorrendo na Amazônia.

    Cumpriria, assim, ao Governo do Presidente Sarney, com o projeto da Ferrovia Norte-Sul, também o objetivo de reduzir o desequilíbrio regional existente entre o norte e o sul do País e abrir grandes oportunidades para o empresariado nacional marcar presença no aproveitamento da imensa riqueza na produção agrícola, mineral e florestal.

    Resultados alcançados pelo Governo Sarney na Região Norte:

    • Expressivo Programa de Zoneamento Econômico Ecológico da Amazônia com a utilização técnica do sensoriamento remoto.

    • Estudo para aproveitamento integrado das bacias dos rios Madeira, Branco, Trombetas e Baixo Tocantins e Araguari, em cooperação técnica com a OEA.

    • Elaboração do programa de pólos agrominerais da Amazônia, complementando as ações da reforma agrária.

    • No âmbito social, além do bem sucedido “Programa do Leite”, foi realizado um programa de produção de alimentos que, em primeiro estágio, beneficiou mais de 56000 famílias de pequenos produtores.

    • O Basa - Banco da Amazônia - foi reformulado e modernizado, tendo diversificado suas linhas de crédito e áreas de atuação. Foi totalmente recuperado. Recebeu injeção significativa de novos capitais, o que lhe permitiu ampliar o seu papel de fomento às atividades produtivas.

    • A SUFRAMA, através de decreto do presidente Sarney, passou a incorporar ao seu Conselho os governadores de Rondônia, Acre e Roraima. Apesar da Zona Franca de Manaus abranger essas áreas, os seus governadores não participavam da Suframa.

    • Pólo de desenvolvimento irreversível, além de prorrogar a concessão de seus incentivos fiscais., somente em 1988, durante o Governo Sarney, foram registrados 190 projetos, num total de 175 em toda a sua história, produzindo cerca de mais de 75.000 empregos na região e produção de bens que atingiu um nível médio de 75% de nacionalização.

    • Foram compartilhados os incentivos do Decreto-Lei número 288 com a Lei de Informática (Lei 7.232), objetivando destinar recursos equivalentes ao valor dos incentivos voltados para o desenvolvimento tecnológico.

    • Foi diretriz do Governo José Sarney, ainda, a criação das condições que permitissem às empresas da Zona Franca de Manaus exportar substancialmente e aumentar a participação local no suprimento de insumos e componentes.

    Os territórios federais atuaram em perfeita consonância com as Diretrizes Gerais do Desenvolvimento Regional, tendo sido expressivos os trabalhos realizados de infra-estrutura básica, apoio social e econômico.

    Foram significativas as ações federais do Governo Sarney nas áreas de energia, telecomunicações, transportes, mineração e setores sociais, como:

    • a reativação do Polonoroeste;

    • a recuperação da Belém Brasília;

    • o projeto da BR-364 até Rio Branco;

    • a continuação do Programa Grande Carajás:

    • as hidrelétricas de Balbina e Samuel;

    • a linha de transmissão Tucurui-Nordeste;

    • a criação do Programa de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Norte e no Nordeste;

    • a aplicação de 30% dos recursos do FND — Fundo Nacional de Desenvolvimento -, obrigatoriamente direcionados para o Norte e o Nordeste sob forma de financiamento;

    • além dos programas agrícolas, industriais, urbanísticos e de fortalecimento dos estados e municípios;

    • Ponte Tancredo Neves e Sistema da SRI 56;

    • Colégio Agrícola pelo País;

    • Estímulo às escolas técnicas, inclusive a do Amapá;

    • Usinas hidrelétricas Roque de Sousa Panafort e Coronel Arlindo Eduardo Correia (para município do Oiapoque, Calçoene e Amapá);

    • Mandou que o presidente do Banco do Brasil, Dr. Camilo Calazans, não deixasse que o Amapá sofresse, diferente de todo o País, a eliminação de crédito agrícola subsidiado.

    Merece destaque o “Calha Norte” e o “Nossa Natureza”, programas válidos e imperiosos instrumentos de desenvolvimento, capazes de defender os interesses nacionais na Região Amazônica, ao aproveitar de modo racional as riquezas, preservando o ecossistema e de operar nessa imensa região segundo prioridades que servissem aos princípios e objetivos verde-amarelos, sem imposições e interferências limitadoras de nossa soberania.

    O “Projeto Calha Norte”, em especial, foi incompreendido e deturpado por aqueles que não tinham, então, uma visão de futuro. Projeto que, hoje, em decorrência dos últimos acontecimentos no âmbito internacional, sob a égide dos EUA, mostra-se cada vez mais imprescindível, na medida em que tinha objetivos não apenas geopolíticos. Na verdade, preocupava-se em levar àquelas populações setentrionais assistência, cidadania e possibilidades de integração com o resto o País. Ou seja, era um projeto multiministerial que contava com a participação conjunta das áreas de defesa, educação, saúde, saneamento, habitação, meio ambiente, transporte, energia e telecomunicações. O seu princípio básico, desde o inicio, foi ode promover a ocupação racional dos vazios amazônicos, respeitando as características regionais, as diferentes culturas e o meio ambiente.

    Pelo planejamento original, deveria estar concluído até o final de 1997, mas a partir do governo Collor foi sendo esvaziado — isto é, sabotado — pelos governos que se sucederam. Porém, fatos recentes demonstram a sua importância para a segurança da Amazônia e o bem-estar de seu povo.

    Este material, em grande parte, foi baseado em verbete do DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO, da Fundação Getúlio Vargas: Sarney - FGV